José Petrúcio de Farias Júnior


A HISTÓRIA DO CRISTIANISMO NOS COMPÊNDIOS DE HISTÓRIA UNIVERSAL OITOCENTISTAS


Pretendemos investigar, no âmbito da produção de compêndios brasileiros de História para a instrução pública secundária do Imperial Colégio Pedro II, no século XIX, as estratégias discursivas que permitiram o uso de versões instrumentalizadas da História Antiga, mais precisamente após a Reforma de Couto Ferraz (1854).  Problematizaremos, em particular, as formas históricas que abordam o processo de aceitação do cristianismo no Império Romano, sob a administração de Constantino (306-337). Para isso, utilizaremos o compêndio de “História Universal” de Pedro Parley (1857), traduzido pelo desembargador Lourenço José Ribeiro, aprovado para uso das escolas do império do Brasil após a reforma decretada por Couto Ferraz, considerada por nós essencial por três motivos: primeiro por se tratar de um esforço pela uniformização do ensino secundário em escala nacional a partir da organização curricular implantada no Imperial Colégio Pedro II; segundo, pelo controle e vigilância sobre professores e produções didáticas, estabelecidos por meio da criação de órgãos e cargos públicos com tais atribuições; terceiro, por promover o ensino religioso, segundo a moral cristã, tanto no nível elementar, quanto secundário, o que estabelece uma relação direta com a escrita da história escolar, nosso objeto de investigação.

Trata-se de uma oportunidade para questionarmos sobre qual(is) concepção(ões) de história e teoria(s) científica(s) subsidiou(ram) a narrativa escolar; como a aceitação do discurso cristão pelo poder imperial e a oficialização do cristianismo, no final do IV século, são caracterizados
nestas narrativas, isto é, como a história do cristianismo de Constantino a Teodósio é exposta e organizada e quais estratégias discursivas permitiram a construção de uma memória em torno da história do cristianismo que se ajusta a demandas políticas do momento histórico em que tal compêndio foi escrito. 

A implementação da instrução secundária no Brasil resultou, em grande medida, da influência francesa em torno do processo de escolarização. Pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, estabeleceu-se que o Seminário de São Joaquim tornar-se-ia o Imperial Colégio Pedro II e o regulamento de 31de janeiro de 1838 determinava que, a exemplo do modelo francês, os estudos secundários adotariam um currículo seriado, em que as áreas do saber e seus conteúdos seriam distribuídos em função de seu nível de complexidade ao longo de 8 anos. Não só a estrutura organizacional escolar, mas principalmente as ideias e costumes franceses inspiravam as elites brasileiras. D Pedro II (apud BASTOS, 2008, p. 42), por exemplo, declarava ser a França “a pátria de minha inteligência” e o Brasil “a pátria do meu coração e do meu nascimento”. Além disso, no século XIX, era comum que a escrita da História comprometida com a genealogia das nações europeias aludissem às experiências político-culturais das sociedades antigas gregas e romanas como ponto de partida para compreender o processo civilizacional e o padrão cultural que impulsionou o Ocidente.  Isso explica a valorização dos estudos clássicos nos programas de ensino da instrução secundária no Brasil.

É curioso observar que as aulas de latim perpassavam todas as séries da instrução secundária, além disso, nos programas de ensino de 1850 e 1862, havia não só a disciplina de História Antiga, mas também a de História Romana, as quais eram ministradas separadamente. Para Funari (2008, p. 186-7), a relevância dos conteúdos de História Romana se deve ao fato de que D. Pedro II e sua corte eram fundamentalmente europeus, logo a ideia de civilização pautava-se na cultura europeia que se identificava, por sua vez, com as experiências político-culturais da Grécia, particularmente da Roma Antiga, uma vez que não podemos nos esquecer de que o Império do Brasil identifica-se, em muitos aspectos, com a Roma Imperial, entre os quais destacamos o caráter aristocrático da gestão pública, a presença da escravidão ou formas de patronato como base das relações interpessoais, a manutenção da unidade político-administrativa de um imenso território, a emergência do cristianismo que se tornou religião oficial do Império bem como a legitimidade do poder autocrático do “dominus” que pode ter inspirado o poder moderador. Tal como nos informa Funari (2008, p. 187), este conceito provém do latim, moderati, que remonta, por sua vez, a autores latinos como Cícero, tal como se observa em sua descrição de Deus como deus “qui regit, et moderatur, et mouet id corpus” (Rep. 6,24-26 apud FUNARI, 2008).

Interessa-nos aqui salientar, para além da preocupação com a formulação de programas de ensino, o fomento à educação religiosa, já que as reformas educacionais posteriores a de Couto Ferraz (1854), a saber: 1856, 1858, 1862, 1877, 1878 e 1882, reservaram cadeiras específicas ao ensino religioso, tais como História Sagrada e Doutrina Cristã, Instrução Religiosa ou Ensino de Religião, as quais eram ministradas, em geral, no primeiro ano do secundário; nas demais etapas escolares, consolidou-se a proposta de ensino de História francesa, sistematizada posteriormente por Victor Duruy (1865), em que, após a História Sagrada, segue-se ao estudo da História Profana, dividida em Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, e, após a incursão pela chamada História Universal, migrava-se ao estudo da História Pátria.

Sob este aspecto, não é possível entender a Reforma de Couto Ferraz (1854) desvencilhada das discussões educacionais correntes na França, por isso defendemos que tal Reforma foi influenciada pela lei Falloux (1850), em discussão na França, que pretendia conter o avanço de uma formação educacional laica - solicitada pelos republicanos franceses - na medida em que reconduzia os sistemas de ensino ao controle das congregações religiosas. Trabulsi (2008, p. 130) nos informa que “desde a lei de Falloux até 1875, o lugar da Igreja no ensino não vai parar de aumentar; a Igreja está presente até na Universidade e, nos liceus, ensina-se religião”. Percebemos, como já mencionamos, um movimento semelhante no Brasil.

No interior deste contexto, a escrita da História Antiga escolar, particularmente, a História Romana e suas literaturas passam a se conciliar com o cristianismo, sobretudo no âmbito político-cultural, isto é, ensina-se uma moral antiga filtrada pela perspectiva judaico-cristã. Assim, o estudo não só das fontes latinas, mas também da Antiguidade converte-se num exercício para formar cristãos, já que as narrativas escolares desqualificavam práticas religiosas não-cristãs.

Circe Bittencourt esclarece que a ênfase em projetos educacionais que valorizam o papel da Igreja na cultura escolar bem como o fomento à disseminação das escolas privadas deriva da proeminente atuação política de grupos fluminenses conservadores constituídos de famílias produtoras de café e empenhadas, em sua maioria, na manutenção da escravidão (2008, p.102). A pesquisadora acrescenta que “o ensino público passou a ser vigiado pela moral religiosa católica para evitar que os professores disseminassem doutrinas ‘socialistas’ ao invés de pregar a resignação à ordem desejada por Deus” (BITTENCOURT, 2008, p. 102).

No tocante à escrita da história escolar, a década de 1850 que se estende, a nosso ver, pelo menos até meados da década de 1870, representa um território de diálogos e duelos entre a História sagrada e a História civil ou profana. A narrativa histórica escolar aponta para tentativas de conciliação entre o tempo laico e religioso e tal abordagem resultou em formas de legitimação de sujeitos históricos que ocupavam espaços de poder, além de situar a Igreja como parceira inseparável do poder civil. Philippe Greiner nos adverte para o fato de que a propagação de uma mensagem religiosa e as atividades de uma Igreja nos currículos escolares têm inevitavelmente repercussões políticas a partir do momento em que a difusão desta mensagem não se circunscreve à esfera privada (2008, p. 31).

Convém salientar que muitos tradutores dos compêndios de História eram religiosos (fieis ou clérigos), além disso, o Colégio Pedro II, assim como muitos liceus provinciais, contou com a presença de professores religiosos em número significativo. Segue-se abaixo o excerto em que Parley introduz suas audiências à história da Roma Antiga

“A política de Roma era egoísta, o amor próprio a sua mola real. Os Romanos tinhão como os Gregos, Persas, Egypcios e outras nações antigas algumas noções de virtude e mostravão às vezes qualidades nobres e generosas. Mas faltava-lhes, como a todas essas nações, a verdadeira moralidade, aquella que Jesus Christo nos ensinou na simples máxima: “Faze aos outros o que desejas que eles te fação!” Como ellas, achava-se Roma privada daquela verdadeira religião, da qual aprendeu o gênero humano, o que todo poder fundado na injustiça há de ter mui curta duração. Por mais esplendido que o fosse o império romano, estava longe de possuir uma verdadeira gloria. Seu esplendor adquirido pelo roubo, seu grande renome podião ofuscar as vistas de um gentio; mas para um christão tinhão e têm pouco valor; ele considera essa magnificência como falsa e sem fundamento.” (PARLEY, 1869, p. 240, grifo nosso)

Parley, neste excerto, demarca a superioridade da cultura cristã por meio de uma implícita cadeia de negações em que costumes, valores e princípios sociais são concebidos de maneira dicotômica, ou seja, a partir de jogos binários (verdadeiro/falso; certo/errado). Para a escrita da história escolar, tal binarismo incorpora uma função instrutiva ou pedagógica na medida em que apresenta padrões de moralidade e excelência pelos quais ações humanas passam a ser julgadas; o que também implica, em contrapartida, o direito de ser julgado e de julgar-se pelos padrões que são relevantes sob a ótica do que é consensualmente aceito pelos cristãos como base para as relações interpessoais (BARTH, 1998, p. 194). Nesse sentido, Parley sinaliza, em sua narrativa escolar, as fronteiras culturais que distinguem um cristão de um não-cristão por meio do reconhecimento, manutenção e validação das dicotomias e diferenças entre “nós” e o “outro”.  O uso de qualificativos para caracterizar a cultura cristã, no corpo da narrativa, objetiva, a nosso ver, reforçar o triunfo do cristianismo no Império romano e seu reconhecimento institucional como se observa no excerto abaixo:

“Foi Constantino Magno o primeiro imperador que se fez christão. Começou a reinar no anno de 306 depois do Nascimento de Jesus Christo e tranferio a séde do governo de Roma para Constantinopla. A religião christã foi implantada pelos Apostolos em varias partes do império; porém, ao principio soffrêrão os christãos atrozes perseguições. Muitos foram açoutados, vários outros encarcerados e milhares perdêrão  a vida em tormentos horríveis. A despeito de tudo foi sempre crescendo o seu numero, até que afinal o imperador Constantino mandou que cessassem estas perseguições, fazendo-se ele mesmo christão, no anno de 311. Conta-se que Constantino indo um dia a cavalo à frente do seu exercito contra Maxencio, víra nos céos uma cruz e nella escriptas as palavras: “Com este estandarte serás vencedor”. É esta visão, que se supõe ter convencido o imperador da verdade da religião christã e em virtude da qual ele se resolveu a adopta-la como religião de Estado. Daquelle período em diante a victoria do christianismo sobre a religião pagã estava certa. Desappareceu ante a cruz a mythologia da Grecia e de Roma, os ídolos do império do mundo cahirão quebrados pela força da verdade do Evangelho. Muitos templos dos gentios se convêrterão em igrejas e o povo, até então acostumado a curvar-se diante das estatuas de Jupiter e de outros deosos fantásticos, ajoelhou com humildade aos pés do signal da redempção. “ (PARLEY, 1869, p. 246)  

Em primeiro lugar, o autor nos faz crer que Constantino foi convertido ao cristianismo - o que ainda é objeto de muitas controvérsias na historiografia - logo pretende-se mostrar que o discurso cristão passa a ser autorizado, reconhecido e aceito pelo imperador romano. Em seguida, o autor descreve a hostilidade com que os romanos se relacionavam com os cristãos. De acordo com este enredo, os cristãos são apresentados no interior de um ambiente caótico e adverso que os oprime e vitima, porquanto “soffrêrão os christãos atrozes perseguições. Muitos foram açoutados, vários outros encarcerados e milhares perdêrão a vida em tormentos horríveis”. O tom exagerado ou generalizante de tais contatos culturais é bastante recorrente na narrativa histórica escolar que, nesse sentido, reproduz a perspectiva da narrativa neotestamentária que, a nosso ver, pretende evidenciar o caráter profético que permeia a ordem dos acontecimentos, os quais incorporam uma conotação religiosa edificante e apologética. A descrição deste cenário enunciativo também aponta para uma construção discursiva de caráter mais emocional do que analítico e este aspecto reforça a tentativa de conciliação entre a história sagrada e a história civil, proposta por Parley (1869).

Outro elemento que nos chama a atenção, no tocante ao processo de escrita da narrativa histórica escolar, versa sobre o uso de “causas sobrenaturais para explicar a vitória miraculosa do cristianismo no IV século”  (CUCHET, 2012, p. 41). O autor desconsidera as relações de poder entre bispos e imperadores, cônsules, senadores ou magistrados (cristãos ou não-cristãos) bem como as circunstâncias históricas que possibilitaram a emergência e consolidação do discurso cristão no Império, além de assumir o ponto de vista de autores tardo-antigos cristãos, sobretudo Eusébio de Cesareia, como verdade histórica.

A narrativa histórica não é construída a partir de um diálogo entre diferentes fontes históricas e vertentes historiográficas. Em vez disso, Parley centra sua narrativa em um acontecimento imprevisto e miraculoso – “Constantino (...) víra nos céos uma cruz e nella escriptas as palavras: Com este estandarte serás vencedor” e parte de tal acontecimento para discorrer sobre o contexto histórico: “a decadência do Imperio do Ocidente” (PARLEY, 1869, p. 245). Tal perspectiva, a nosso ver, propõe o fortalecimento da crença cristã bem como a legitimidade e superioridade da Igreja, além de endossar a ideia de que Deus é um agente histórico.

Deduz-se, sob a ótica de Parley, que a ordem dos acontecimentos não está dissociada da intervenção divina, já que o autor admite que a Providência Divina está na origem dos processos históricos (PARLEY, 1869, p. 242) , os quais não excluem feitos miraculosos e mudanças políticas arquitetadas pela própria divindade. Está claro que o autor pensa a história a partir de pressupostos teológicos e de uma filosofia da História que tende a ler a História, como resultado do triunfo progressivo de uma Igreja, despreocupada com questões políticas e devotada exclusivamente à propagação do Evangelho, o que não condiz a historiografia atual.

Sob este ponto de vista, entende-se que a vitória do cristianismo decorre de uma espécie de acidente inesperado na história, que seria ininteligível se não se considerasse a intervenção direta de Deus. Esta percepção sobre a histórica apoia-se em dois tipos de crença: a intervenção divina far-nos-ia compreender mais que o fato histórico em si, pois contribuiria para dar sentido à ordem dos acontecimentos – o que equivaleria à crença na ordem providencial – além de auxiliar à compreensão do princípio ativo que impulsiona direta ou miraculosamente os processos históricos – o que alude à crença na ordem sobrenatural.

Em um país, onde o catolicismo era religião oficial, declarar-se cristão significa compartilhar uma tradição espiritual com a qual a nação se identifica. No século XIX, a concepção de nação e seus mecanismos de diferenciação são pensados, por muitos intelectuais, sob a ótica da fórmula: uma língua, uma cultura e um território; nesse sentido, a nação se confunde frequentemente com uma religião única, como é caso do Brasil oitocentista e a narrativa histórica escolar passa a conceber a religião católica como um legado que serve de norma ao presente. Assim a valorização do passado clássico permite pensar a identidade nacional a partir de visões de mundo e expectativas sobre a vida nos moldes dos Estados-Nacionais europeus, particularmente a França, que são, por sua vez, requeridas pela elite brasileira.         

Referências
José Petrúcio de Farias Júnior é professor adjunto da UFPI, líder dos grupos de pesquisa Laboratório de História Antiga e Medieval (UFPI) e História e culturas religiosas (UFPI),colaborador do Programa de Pós-Graduação em História (UFPI) e Coordenador do Programa de Doutorado Interinstitucional UFU-UFPI.

BARTH. Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Poutignat & STREIFF-FENART, Jocelyne (Org.). Teorias da etnicidade. SP: Editora Unesp, 1998.

BASTOS, M. H. C. Manuais escolares franceses no Imperial Colégio Pedro II (1856-1892). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, v.12, .26, 2008.

BITTENCOURT, Circe. Livro didático saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica, 2008. (Coleção história da educação)

CHEVITARESE, André L.; CORNELLI, Gabrielle; SILVA, Maria Aparecida Oliveira. (Org.). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Fortium, 2008. 

CUCHET, Guillaume. Comment dieu est-il acteur de l´histoire? Revue des sciences philosophiques et théologiques, n.01, 2012.

GREINER, P. Genèse de la laïcité et prohibition du prosélytisme. Transversalités, v.4, n.108, 2008.

HAIDAR, M. L. M. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo: Grijalbo, Editora da Universidade de São Paulo, 1972.

PARLEY, Pedro. História Universal resumida para uso das escolas dos Estados Unidos da América do Norte. Traduzida pelo desembargador Lourenço José Ribeiro. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Larmmert, 1869.

VECHIA, A; LORENZ, K. M. Programa de ensino da escola secundária brasileira: 1850- 1951. Curitiba: Ed. Do Autor, 1998.

9 comentários:

  1. parabéns pelo texto professor José Petrúcio, tenho trabalhado também com este tema e pude refletir muito sobre minha pesquisa. gostaria de tecer algumas indagações:
    1. achei interessante o emprego do termo "versões instrumentalizadas de História Antiga" e gostaria de saber se ele foi cunhado para este trabalho ou faz referência a algum debate a respeito? Penso nisso pois analiso os compêndios de Justiniano José da Rocha e também uso o termo "escrita da História Antiga Escolar".
    2. Eu não conhecia a obra de Parley e logo após a leitura, consegui um exemplar em pdf. numa rápida olhada na organização da obra vejo que ela se parece muito com Bossuet em termos de uma visão teleológica da vitória do cristianismo e da intervenção divina na História da humanidade, mas ao mesmo tempo, há uma organização interessante dos conteúdos por continente, a qual não cabe no esquema de Bossuet, pois escapa do fio tradição judaísmo-mundo greco-romano até a formação da civilização ocidental cristã.
    por outro lado, em comparação com as obras francesas traduzidas por Justiniano e adotadas no Colegio Pedro II (Hist. Antiga; Hist. Romana) há uma gritante diferença no que tange a métodos da escrita da história, pois estes autores já escreveram sob um rigor de crítica das fontes antigas e cotejamento de autores contemporâneos.
    3. pra finalizar, eu gostaria de saber se é possível afirmar que a obra de Parley foi adotada no Colégio Pedro II. Pelo que tenho encontrado, principalmente na tese de C. Bittencourt e nos texto de Vechia e Lorenz, para o período que atravessa a década de 1840 e culmina com a reforma Couto Ferraz, não é possível ter certeza, mas é provavel que tenha pérmanecido as obras francesas traduzidas por Justiniano. Segundo Circe Bittencoourt (2008, p.120) a partir de 1855 seria adotada o Manunel du Baccalaureat (que teria ja o dedo do Duruy) e este novo modelo de divisão (Antiga, medieval, moderna) prevaleceria. por se tratar de uma obra em francês (havera uma tradução 1865, que Circe analisa a partir da p. 123). gostaria de propor uma questão no sentido de pensar sobre a circulação da obra de Parley, no intuito de entender seu alcance.

    um abraço
    gostaria de manter tais discussões
    Luis Ernesto Barnabé
    luis.ernesto@uenp.edu.br

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    1. Boa tarde, Barnabé

      Muito agradecido por suas considerações. Penso que a expressão 'versões instrumentalizadas' faça referência ao campo de investigações sobre 'usos do passado', compartilhada recentemente por Glaydson José da Silva (UNIFESP) que tem demonstrado como o 'passado' é concebido em diferentes momentos históricos e está afinado a diferentes interesses, objetivos ou demandas político-culturais. No entanto, outro autor com o qual dialogo é Manoel Luiz Salgado Guimarães, sobretudo "Escrever a história, domesticar o passado", capítulo publicado em "História e Linguagens", no interior do qual percebe-se o passado como 'instrumento' do presente. Enfim é no interior deste debate incitado por tais estudiosos que pensei em utilizar esta expressão neste trabalho recente que desenvolvo. Quanto à circulação e utilização da obra, você tem razão! Não há certeza de seu uso junto ao Colégio Pedro II, pois o número de edições não nos permite fazer tal inferência. Havia muitas instituições particulares, sobretudo no formato de aulas-régias na cidade e no período e os docentes tinham a liberdade de escolher compêndios, entre os autorizados ou chancelados pelo ministério, ou de produzi-los a partir de suas anotações de aula. Trata-se, de fato, de uma questão que deve ser mais bem mapeada por mim e sua intervenção me motivou, obrigado! Tomarei a liberdade de anotar seus contatos a fim de que possamos continuar a dialogar.

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  2. José Petrúcio de Farias Júnior, parabéns pelo texto. A discussão sobre a historiografia escolar oitocentista é de grande relevância, principalmente se considerarmos as relações ambivalentes entre o Estado imperial e a Igreja Católica, bem como o processo de construção de uma identidade nacional respaldada nos princípios cristãos e nos valores morais da cultura clássica antiga, com ênfase para uma formação marcada pela erudição. Diante disso, gostaria de saber até que ponto o cristianismo é apresentado de forma genérica ou se atendeu aos princípios católicos, considerando a atuação de religiosos nas instituições escolares. Segundo, como a disciplina História contribuiu para fomentar a invenção da nação, vinculando o país ao mundo tido como civilizado e cristão.
    No mais, parabéns pelo trabalho!
    Cordialmente,
    Magno Francisco de Jesus Santos

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  3. Boa tarde, Magno

    Sua questão é muito instigante, grato por me fazer pensar sobre isso. Em primeiro lugar, penso que devemos ter em mente as várias vertentes cristãs (católicas e protestantes) que passaram a conviver em grandes cidades como o Rio de Janeiro no século XIX.
    Diante disso, o compartilhamento de saberes que integram o campo de experiências religiosas do(s) cristianismo(s), a meu ver, atuava como um código social importante para que o sujeito pensasse a si mesmo e, por extensão, a nação.
    Em geral, as produções escolares do século XIX, respeitadas as diferenças metodológicas, pensavam a ordem dos acontecimentos a partir de uma espécie de 'fio condutor' ou 'motor' da história. A meu ver, está clara a ideia de 'providência divina' como elemento subjacente à ordem dos acontecimentos. Note que a escrita d história escolar está vinculada a 'filosofias da história' que tentam dar inteligibilidade ao passado a partir de 'formas de pensar e agir' consensualmente aceitas, reconhecidas e respeitadas pelos grupos sociais que ocupam os espaços de poder.
    Nesse sentido, ao olhar pela circulação destas obras pelas instituições públicas e privadas, defendo que se trata de um cristianismo 'genérico', pelo menos, quando nos voltamos às formas história da Antiguidade em tais manuais. Não há, a meu ver, uma exaltação da Igreja Católica, mas ao papel do Deus judaico-cristão no devir histórico. Não se atendi plenamente à sua questão. Estou à disposição para continuar a dialogar.

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  5. Petrúcio, boa noite.

    Minha dúvida vai no sentido de entender o papel da história e do cristianismo na formação de "bons brasileiros". Em sua pesquisa você percebe que o ensino de história assume o papel de fornecer bons exemplos aos alunos ou deixa este espaço para as disciplinas especificamente voltadas à formação moral e religiosa? Pergunto isso porque tenho tido contato com alguns livros didáticos franceses do final do século XIX e início do século XX em que o papel da história nos anos iniciais de formação é o de mostrar exemplos de como agir.

    Att,
    Rilton Ferreira Borges

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    1. Boa noite, Rilton

      Grato por sua pergunta. Para respondê-la farei algumas reflexões em torno da escrita da História escolar nestes compêndios. Em primeiro lugar, percebe-se´, em tais narrativas, que os processos históricos organizam-se a partir de 'grandes fórmulas', isto é, disseminam a ideia de que há algo por trás dos 'fenômenos aparentes' à percepção, de tal forma que processos ocultos encaminhariam o devir histórico, como se houvesse uma espécie de fio condutor, motor, ou destino. Nestas narrativas a conexão causal que explica a ordem dos acontecimentos muitas vezes é eivada pela ideia de providência divina.
      Então, até meados do século XIX, pelo menos para mim, está claro que esta era a proposta que tornava inteligível a chamada 'história universal'. Outro elemento importante é que a história se reveste de uma finalidade instrutiva ou pedagógica o que reforça a ideia de que ela forneceria exemplos ao presente.
      Diante disso, penso, sim, que a escrita histórica escolar assume a 'providência divina' como chave para o entendimento dos processos históricos e a ideia de história como "magistra vitae", considerando suas possíveis implicações éticas.


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  6. Bom dia!
    No texto verificamos a extrema influência da moral religiosa de procedência europeia no ensino público oitocentista. Esta influência perpassava todas as questões do cotidiano dos brasileiros profundamente embasado nos valores da religião católica e daquilo que eles consideravam como mensagens dos Evangelhos.
    Quanto aos africanos escravizados e os descendestes destes, como o ensino daquela época explicava tal relação?

    Ary Luiz Paes Alves

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  7. Boa noite, Ary

    Pergunta interessante! Os registros mostram que a escola secundária era reservada a poucos. A maioria dos discentes eram adolescentes que pertenciam a categorias sociais abastadas. Havia cotas para 'pobres', no entanto não há pesquisas suficientes, a meu ver, que acompanharam a trajetória destes sujeitos. Seria uma possibilidade de pesquisa, sem dúvida! A escravidão era justificada nestes manuais como um aspecto social necessário e importante à ordem social, mas esta questão torna-se mais complexa a partir de 1870 com o avanço de movimentos abolicionistas.

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