Gilvani A. de Araujo


EM BUSCA DE ERNANI REICHMANN: SIMBIOSE DE ESTRATÉGIAS E TÁTICAS (MICRO-HISTÓRIA E AUTO/BIOGRAFIA CORAL)


Ernani Corrêa Reichmann é uma voz cujos ecos multiplicam-se ao modo de uma romaria de eus, é um prisma multifacetado, ou ainda arquipélago – na ótica de seus contemporâneos. A imagem turva que as fontes exibem dele, mostram-me um homem que nasceu em 03 de setembro de 1920 em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Todavia, seu principal papel iria desempenhar no Paraná, Estado que lhe renderia o restante de sua vida, seja enquanto cidadão ou homem público – com exceção de um curto período, em que retorna ao Rio Grande. Desde 1941 as fontes demonstram a condição de aluno nos cursos de direito e economia da UFPR (assim como seu pai bem o queria e ele, sem saber o que queria de sua vida, quis o mesmo). Em 1943 casa-se com aquela que seria a única e fonte de sua disciplina como escritor, Annie Tempel.

Após ser titulado bacharel em 45 retorna a sua terra natal, não para permanecer como sua família gostaria (?). Apesar de tudo, ocorre uma guinada em sua vida – cujos sentidos  fogem de mim, mas para ele fazia parte de sua trajetória –, de 49 a 54 diz que fica, não em Passo Fundo ou Erechim (moradia oficial de sua família), mas volta-se para Porto Alegre onde o povo riograndense elege-o deputado. Pouco “sei” deste período, apenas que alternou cargos dentro daquela Assembléia: ora como Primeiro Secretário, ora como Diretor Geral. Aliás, ficam explícitas algumas lacunas em minha pesquisa ainda em estágio inicial.

A partir de 1951 fixa residência oficial e definitiva à rua Paula Gomes, em um dos bairros mais antigos da capital paranaense. De lá para cá, a documentação recobre o período que viveu ao lado de sua esposa e filhas, que vai de 51 a 84; ano que vem a falecer: eram 6h do dia 10 de junho, um domingo. Nestes 33 anos Ernani foi professor da UFPR, junto ao Departamento de Ciências Econômicas. Na condicação de instrutor contratado, efetivo e titular lecionou a cadeira de Estrutura das Organizações Econômicas – cátedra por ele defendida junto a esta instituição. Foi ainda Assessor de seu ex-aluno e então Reitor da UFPR, Ocyron Cunha. Integrou o Círculo de Estudos Bandeirantes e a Associação dos Professores da UFPR. Além disso, foi Assessor Técnico e Secretário de Estado no Governo Bento Munhoz da Rocha, Coordenador Econômico Financeiro da Secretaria da Fazenda no primeiro Governo Ney Braga e depois, durante o Governo Jayme Canet. E, a pedido do Governador Leonel Brizola, passa a integrar o primeiro conselho gestor e diretivo do CODESUL-BRDE, como representante do Estado do Rio Grande do Sul.

A imagem turva e ainda inicial não demonstra o “eu vivido” de Reichmann, apenas os vestigios do Outro, para usar este conceito de Michel de Certeau. Ainda nesta linha, fica visível que as fontes demonstram apenas a beleza do morto, mas não o que realmente o vivido representou sobre as possibilidades de seu trajeto. Por isso, a angústia subjugada de uma existência que se apaga nos umbrais da história, motivou o epílogo pela sua autobio-grafia ou de outro modo pelas memórias famíliares.

Retomando uma metáfora inicial, Reichmann é visto como arquipélago! João Manuel Simões e Ocyron Cunha, assim o definem. Todavia, sua profundidade é sentida quando nos afastamos da esfera pública, com a sua aparente publicidade e adentramos ao universo rechmanniano, descrito por ele próprio como uma terra de ningém. Mas o que significa buscar o eu vivido do bio-grafado? Ir em busca de Ernani significa encontrá-lo, achar seu “eu vivido” e colocar-se a dialogar com ele em sua terra.

Há dois caminhos para reconstruirmos sua história, um por vias externas e outro por vias internas. A primeira via possibilita o acesso ao sujeito histórico, aos dados objetivos de acordo com as fontes – assim, como demonstrei nos primeiros paragráfos. Já a segunda, explora os sentimentos, as confições, sua intencionalidade, reconstrói seu querer apartir de seu próprio relato e das memórias residuais ou familiares. Assumir a primeira via é transformar Ernani em um simples objeto de pesquisa, mas adotar a segunda exige um mergulho na alma.

Por isso, em meu ver é sempre problemática a primeira via, pois a [re]construção, seja ela de natureza bio-gráfica ou autobio-gráfica, sempre toma a vida do Outro não como um “tu” mas como um “isso”, ou seja, sob a condição de objeto de um saber – seja da história, literatura, antropologia ou jornalismo. Assim, como escapar desta condição que coloca sempre a grafia acima do bio ou da autobio de um ser? Logo, se as ciências humanas e sociais viraram as costas ao eu vivido, também a história auto/biográfica atual não faz justiça a ele.

Assim, ao lidar com as Obras Completas, o Espólio Literário e todas as Memórias, relacionadas/de Ernani Reichmann, tenho percebido uma reflexão aguda e crítica ao espiríto de sua época, cuja lealdade a si mesmo, não o impediu de se multiplicar em homônimo, pseudônimos e heterônimos – uma verdadeira procissão de eus. Sempre testemunhando o valor de pensar a existência, a sua própria Existência; daí que ao delimitar a investigação, eu siga o caminho sugerido por Ernani em uma carta de outubro de 1975:

“Assim como não há uma separação radical entre minha vida e meus escritos, esta não existe também entre minhas cartas de todo tempo e minha experiência. É chegado o momento de começar a ordenar a coisa com vistas à minha biografia, embora eu não acredite que seja possível uma biografia sem referência permanente aos escritos” (REICHMANN, 2006, p. 485).

Ao olhar para seus escritos e cartas, como parte de sua existência, esse aspecto ajuda a distinguir que uma auto/biografia coral pode ser a melhor escolha. Todavia não posso desconsiderar o caminho que Ernani sugeriu; esse caminho é o que relaciona permanentemente a biografia aos seus escritos. Isso quer dizer que uma autobiografia já foi erigida, por isso os escritos dele contém tantos elementos subjetivos, ao lado de reminiscências, memórias e anotações extensas sobre seus sentimentos e emoções. Daí ele dizer que, retomando uma carta de 1972, jamais cederá as pressões de se dedicar inteiramente a literatura ou a filosofia, não abandonará a sua terra de ninguém

“... Jamais farei uma obra como [os] outros me pedem. Seria como optar pela literatura, abandonando a terra de ninguém, assim como não quero e não posso optar pela filosofia, não posso e não quero optar pela literatura, apesar de todas as pressões que sofro de um lado e outro. Preciso da literatura não só para expressar-me como para alargar o campo de minha experiência, como preciso da filosofia para conceituá-la e localizá-la no meu tempo. Experiência sem tempo – assim seria a minha experiência não fosse um certo suporte filosófico. Seria maravilhoso fazer uma experiência sem tempo, mas isso me levaria de maneira direta e imediata para o campo da literatura. Como podes perceber, a condição de obra inacabada é reflexo da minha própria experiência. É muito curioso, mas nem com a minha morte minha experiência será uma experiência conclusa no tempo. Seu acabamento ou perfeição só poderá ser dado por outro, um terceiro, que ao estudar meus escritos ou vida, terá isso em mente (ou poderá ter). Eu mesmo gostaria de trabalhar uma experiência como a minha. No entanto, como não tive a felicidade de topar com uma experiência dessas em meu caminho, não me restou outra coisa senão limitar-me a mim mesmo. Outras experiências, nem mesmo a de K (que procurou arredondar tudo que fez, ao fim) trazem esse poder de sedução (uma experiência para sempre aberta...)” (REICHMANN, 2006, pp. 78-79).

Ernani adianta as dificuldades de trabalhar uma experiência tão profunda –  retomo a citação anterior. Nela, ele indica que seus escritos estão cheios de sentimentos e experiências de seus eus, não podemos fazer algo como uma biografia, porque ele próprio já a realizou. Esse é o sentido de não ceder as pressões, pois ceder a elas é escrever o que os outros querem. Gostaria de tomar da citação anterior três coisas que esclarecem o dever de reconstruir narrativamente a autobiografia de Reichamnn, apesar de todos os aspectos corais. Em primeiro lugar, o caráter atemporal da expressão “terra de ninguém”, ela indica que não podemos situá-lo, nem na literatura, nem na filosofia. Por isso, reforça o caráter aberto de sua experiência, e a taxativa de “obra inacabada.” Em segundo, Reichmann parece pedir que seu biógrafo dê um telos à sua vida. Sabemos que isso não é possível, mas se olharmos com atenção ele também não quer isso para si. Indica que a sua experiência tem um poder de sedução único. Por fim, a letra K abrevia o nome de Kierkegaard. Reichmann chama a atenção para a experiência do mestre dinamarquês, pois o “arredondamento” sugere que a sua obra pode ser lida como um trabalho acabado, consecutivamente com um telos. Daí não exibir uma sensualidade completa, isto é, não seduz tanto ou quanto a obra de Reichmann parece demonstrar. Logo,  completa-se com a imagem de um  terceiro. Seduzido pelo enigma da experiência inacabada, o biógrafo atualiza a cada versão o que Reichmann  não “arredondou” no fim.

Daí a opção por um estudo cuja orientação metodológica é possibilitado pela micro-história de Giovanni Levi somada as ideias de uma biografia coral de Sabina Loriga e, contraditoriamente, antibiográfica de Pierre Bourdieu. Pois, possibilitam, a reconstrução narrativa da dinâmica histórica da complexa experiência de Ernani Reichmann, através de uma perspectiva auto/biográfica coral; resgatando sua escrita heteronômica, marca decisiva de sua vida intelectual e interlocuções com  alter-egos; bem como, os sentimentos e memórias que marcaram sua existência, sem transforma-lo em um “objeto de pesquisa”.

1. Aproximando-se cada vez mais do biografado, Ernani Reichmann parece indicar por vias exclusivas que fazer sua biografia é um desafio. Transpor sua enorme produção e se deparar com os paradoxos de sua existência singular, motiva a refletir sobre o perigo também de cair na armadilha da complexidade de seu eu. Por estarmos lidando com um sujeito histórico que, mesmo diante de um aparente anonimato literário, não se cansou da procissão de eus que compuseram sua vida. Isso quer dizer que nãopodemos reconstruir somente com base nos vestigios de seu eu público, mas temos que perscrutar sua dimensão familiar e em um nível ainda mais profundo sua terra de ninguém.

“Os tempos atuais são mais sensíveis às manifestações da singularidade, que legitimam não apenas a retomada de interesse pela biografia como a transformação do gênero num sentido mais reflexivo. Na escola da escrita romanesca, os historiadores, sociólogos, antropólogos e psicanalistas transgridem o tabu que até então cercava o gênero biográfico. A pergunta sobre o que é o sujeito e os processos de subjetivação alimenta essa renovação da escrita biográfica, que a nosso ver já entrou na era hermenêutica, a da reflexividade. Já não se trata de identificá-la, mas de proceder a uma abordagem do outro como, ao mesmo tempo, um alter ego e uma entidade diversa” (DOSSE, 2009, p. 229).

 “O fato de se considerar o homem como fundamentalmente plural, mantenedor de vínculos diversos, modifica a abordagem do gênero biográfico” (DOSSE, 2009, p. 297), o caráter reflexivo da abordagem interdisciplinar e a quebra de tabus possibilita encarar as aporias de uma biografia como a de Reichmann. Pois, há uma confluência de disciplinas que é possível identificar na própria escrita de Reichmann. Em sua terra de ninguém, comunicam-se literatura e filosofia.

Levando em consideração a miríade de esquemas, modelizações ou tipologias, gostaria de se ater a dois luminares. Em um primeiro momento, aquilo que poderíamos chamar de micro-história operada por Giovanni Levi e, em segundo, a continuidade por vias próprias que leva Sabina Loriga a uma concepção de biografia coral.

2. Giovanni Levi, em Usos da biografia (Cf. 1992, pp. 167-182), assume uma posição esclarecedora sobre  a importância de romper o efeito paralisante proporcionado pelos argumentos de Pierre Bourdieu: “a meu ver, a maioria das questões metodológicas da historiografia contemporânea diz respeito à biografia, sobretudo as relações com as ciências sociais, os problemas das escalas de análise e das relações entre regras e práticas”, sem mencionar a complexidade de algumas questões filosóficas de cunho epistemológico, como as “referentes aos limites da liberdade e da racionalidade humanas” (LEVI, 1992, p. 157). Por isso, na biografia e os casos extremos, o contexto passa a ser elucidado por este tipo, por meio das margens, pois lida com personagens não representativos, singulares para a época; com este tipo, Levi dá continuidade a argumentação de Michel Vovelle no que acha acertado de sua posição sobre o retorno biográfico ao indivíduo através dos estudos de caso. “De modo ainda mais claro”, argumenta Levi,

“Em sua biografia de Menocchio, Carlo Ginzburg analisa a cultura popular através de um caso extremo, e não de um caso modal: “Em suma, mesmo um caso extremo (...) pode revelar-se representativo. Seja negativamente – pois permite identificar as possibilidades latentes de algo (a cultura popular) que só conhecemos através de uma documentação fragmentária e deformada.”

Por fim, em um nível mais especifico a biografia e hermenêutica, estágio em que registra-se uma profunda ligação à antropologia por meio da análise do ato interpretativo, descrito como um ato biográfico por Levi. Pois “pode adquirir uma infinidade de significados,” comenta ele. “No fundo, essa abordagem hermenêutica parece redundar na impossibilidade de escrever uma biografia”, porém ela tem estimulado a reflexão entre os historiadores, “levando-os a utilizar as formas narrativas de modo mais disciplinado e a buscar técnicas de comunicação mais sensíveis ao caráter aberto e dinâmico das escolhas e das ações” (LEVI, 1992, p. 168, a parte destacada é de minha responsabilidade).

Levando em consideração este último aspecto suscitado pela biografia hermenêutica (ferramenta essencial da antropologia interpretativa de Clifford Geertz), a micro-história oferece um procedimento interessante para trabalharmos o arquivo pessoal (LEVI, 1992, p. 168). Há uma mudança de postura também na apresentação dos resultados, pois considera que a pesquisa histórica não consiste apenas na comunicação dos resultados na forma de um livro. Isso quer dizer que nesta abordagem considera-se o ponto de vista do pesquisador e do leitor como partes indispensáveis. Resumidamente, Levi argumenta que, “na micro-história, ao contrário, o ponto de vista do pesquisador torna-se uma parte intrínseca do relato. O processo de pesquisa é explicitamente descrito e as limitações da evidência documental, a formulação de hipóteses e as linhas de pensamento seguidas não estão mais escondidas dos olhos do não-iniciado. O leitor é envolvido em uma espécie de diálogo e participa de todo o processo de construção do argumento histórico” (LEVI, 1992, p. 153).

Outro argumento em favor da micro-história é o que caracteriza a singularidade desta abordagem (LEVI, 1992, p. 154), isto é, “a micro-história italiana constitui-se antes numa original e inovadora proposta para redefinição radical da prática contemporânea do ofício de historiador”, poderíamos dizer o mesmo no que diz respeito ao trabalho de biografar uma vida. Basta pensarmos no caso de Menocchio biografado por Carlo Ginzburg. Mas o sucesso da abordagem está na reinvindicação de três paradigmas metodológicos centrais, que a um só tempo constituem o esqueleto epistemológico desta corrente historiográfica. “Em primeiro lugar, o paradigma da mudança de escala de observação; em segundo lugar, o paradigma da análise exaustiva e intensiva do universo micro-histórico recortado para construir descrições densas dos fatos e processos estudados; e, finalmente, o paradigma indiciário utilizado como método de investigação naqueles casos específicos em que, por diversas razões, o acesso direto e imediato aos problemas abordados pelo historiador é dificultado” (ROJAS, 2012, p. 9, itálico no original).

3. Uma posição singular e contraditoriamente central, talvez seja o local de onde argumenta Sabina Loriga. Para esta historiadora, o debate mais recente leva em consideração os papéis que a memória e a história desempenham na biografia e na própria tarefa do historiador. Essa posição emerge apartir da constatação que vivemos em um novo regime de historicidade (François Hartog), porque vai além da representatividade e institui o culto ao presente (HARTOG, 1997, p. 15); e enfim, exige uma operação historiográfica (Michel de Certeau) que inclua o historiador e o local social da escrita na narrativa biográfica.

Loriga defende o ponto de vista da pluralidade na biografia, ponto de vista expresso pela biografia coral (SCHIMIDT, 2015, pp. 13-15), para escapar a linearidade da biografia heróica e a exemplaridade da biografia modal. A biografia coral pluraliza a relação entre o ator e o sistema, fato pouco considerado já que  toda vez que nos arriscamos a avaliar, em termos dicotômicos, o indivíduo biografado e a sua relação com a sociedade a qual pertence, podemos acentuar uma homogeneidade não existente. Sendo assim, nessa concepção o material biográfico se torna a base privilegiada para reconstituir até o contexto histórico e devolver a complexidade das relações, pois “a biografia coral concebe o singular como um elemento de tensão: o indivíduo não tem como missão revelar a essência da humanidade; ao contrário, ele deve permanecer particular e fragmentado” (LORIGA, 1998, p. 249). Gostaria de encerrar o debate retomando o ponto de vista de Levi, sua proximidade teórica e metodológica ao de Loriga, mas também as considerações críticas, assumidas por ambos, que se pode ler nas entrelinhas, por um lado devidas a Pierre Bourdieu e, por outro, a Clifford Geertz, cito uma passagem de Dosse para isso:

“A biografia preceituada por Giovanni Levi deve permitir que nos interroguemos sobre a porção de liberdade de escolha entre as múltiplas possibilidades de um contexto normativo repleto de incoerências: ‘Nenhum sistema normativo é, de fato, estruturado o bastante para eliminar qualquer possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação de regras, de negociação’” (DOSSE, 2009, p. 257).

Ao apresentar um pequeno debate sobre historiografia biográfica, quis chamar a atenção para o processo de reconstrução narrativa que é possível operar de maneira micro-histórica quando analisamos a trajetória de um indivíduo, ainda que seja um caso extremo, sua “representatividade” não segue os padrões do herói. Nem mesmo as relações-tipo prosopográficas, modais ou contextuais. Aliás, a antropologia antibiográfica e as problematizações sugeridas pela hermenêutica possibilitam outro tipo de narrativa, mais sensível e crítica, sensível às fragmentações, descontinuidades e descentramentos do eu. Por outro lado, mais crítica sobre as ilusões, unilateralidades e o peso que a necessidade e a normatividade imprimem sobre as escolhas do sujeito.

De tal modo, uma biografia coral inclui elementos peculiares de uma biografia intelectual e, transcende-os ao aceitar o sujeito discidente e não-representativo, isto é, o sujeito singular – expresão de muitos “eus”, nem sempre considerados nele. Isso revela que a mudança de uma historiografia biográfica, do sujeito incomum para o sujeito comum, do único para o múltiplo, possibilita prestar atenção às muitas vozes de um mesmo indivíduo em suas muitas relações com o público e o privado.

Referências
Gilvani Alves de Araujo é doutorando em história do PPGHIS/UFPR.

DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.
HARTOG, François. O tempo desorientado. Tempo e história. “Como escrever a história da França”. Anos 90, Porto Alegre, PPG em história da UFRGS, n. 7, julho 1997.
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In. BURKE, Peter. A escrita da história: novas perpectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, pp. 133-161.
_____________. Usos da biografia. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da história oral. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In. REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.
______________. O pequeno X: da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

REICHMANN, Ernani. Volta às origens. Curitiba: Edições ER, 1967.
__________________. Inéditos de Angústia Subjugada, Intermezzo Lirico-Filosófico e Volta às Origens. Curitiba: [s. n.], 1981.
__________________. Projeto de Salvação. Curitiba: Artes e Textos, 2006.
__________________. A passagem I / II. Curitiba: Artes e Textos, 2006.
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Micro-história italiana: modo de uso. Londrina: Eduel, 2012.
SCHMIDT, Benito Bisso. Entrevista com Sabina Loriga: a historiografia biográfica. Métis: História & Cultura, Caxias do Sul, Vol. 2. Nº 3, pp. 11-22, Jan./Jun. 2003. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/viewArticle/1038>. Acesso em: 09/07/2015.

Um comentário:

  1. Olá Gilvani, Bom dia,

    Achei muito interessante sua proposta metodológica e ainda como você a mescla como vária perspectivas diferentes de Levi, Loriga e Bourdieu.

    Me chamou muitíssima atenção a parte do texto em que você se indaga: "Por isso, em meu ver é sempre problemática a primeira via, pois a [re]construção, seja ela de natureza bio-gráfica ou autobio-gráfica, sempre toma a vida do Outro não como um “tu” mas como um “isso"."

    Queria saber se
    1) essa eh uma reflexão original sua, ou vem de outros autores que se utilizam na micro-história?
    2) Essa abordagem metodologica pode ser utilizada com pessoas que ainda vivem.. a partir de suas experiencias concretas ou apenas na pesquisa histórica ?

    Abc
    Leonardo Carnut

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