Isabelly Pietrzaki Pereira e Roseli B. Klein


MULHERES POLONESAS: UMA HISTÓRIA DE VIDA E ESCOLARIZAÇÃO


Os imigrantes poloneses do estado do Paraná, no final do século XIX e início do século XX, estabeleceram-se em colônias e criaram um sistema organizacional que teve por base a família. As relações de parentesco foram o ponto forte da sobrevivência desses grupos. Nesses locais estruturaram os espaços de convivência, de lazer, de escolarização, de produção e colheita comunitária, e de religiosidade com o estabelecimento da Igreja católica.

Esse estudo realiza um resgate histórico do processo de escolarização das mulheres polonesas no núcleo imigratório do município de São Mateus do Sul, no estado do Paraná, nas primeiras décadas do século XX. Leva em consideração o contexto social, econômico e histórico desse período e a forte presença da religiosidade católica, inserida também nas escolas em que essas mulheres frequentaram, gerando assim, uma cultura escolar própria.

A pesquisa utiliza-se de uma metodologia de cunho bibliográfico, exploratório, descritivo e com pesquisa de campo, seguindo a linha da história e memória oral. Realizada sob o formato de entrevistas às mulheres polonesas que estudaram nas décadas de 1940 e 1950, no modelo de escola rural multisseriada.

Os núcleos imigratórios fundaram suas próprias escolas, porém, o governo iniciou um processo de nacionalização. O Decreto Federal nº 406, de 4 de maio de 1938, proibiu o ensino em língua estrangeira, extinguindo as escolas étnicas existentes, e as que restaram perderam sua identidade. Nesse momento histórico, tornou-se necessário uniformizar os saberes e inserir os imigrantes na cultura brasileira, nacionalizando-os, “[...] Tornava-se imperioso construir esse novo homem e à escola estava reservado um papel importante nos ensinamentos físicos, morais, intelectuais e de higiene” (RENK, 2009, p. 39).

A princípio as crianças polonesas estudavam em escolas multisseriadas privadas, organizadas pelos próprios pais e a comunidade, que mais tarde passaram a instituições públicas por consequência do processo de nacionalização. Funcionavam com uma única professora para atender todas as séries. Ofertavam o ensino do primeiro ao terceiro ano e a única maneira de prosseguirem os estudos acontecia sob o deslocamento até a área urbana mais próxima.

Um aspecto presente nesse modelo de escola, e citado pelas entrevistadas, refere-se a imposição da disciplina no interior da sala de aula. Os castigos aconteciam com muita frequência. Qualquer movimento indesejado: copiar a tarefa de um colega, conversar, não saber a resposta para alguma pergunta, entre outros, constituíam-se motivos para as crianças se ajoelharem no grão de feijão ou de milho, e também outras formas de repreensão. O relato de Chule (2017) afirma essa prática quando assim se refere:

“Eu fiquei de castigo, eu, minha amiga e meu irmão. Em um dia a professora fez umas perguntas, mas nós não sabíamos, então pediu para pesquisarmos e respondermos no outro dia. No dia seguinte, nós nos levantamos, arrumamos o material e fomos para a escola, mas ficamos em um “matinho” escondidos até dar o horário da aula e podermos voltar para casa. No outro dia não escapamos e a professora “descascou bordoada em nós”, com régua, puxão de orelha. A professora era muito ruim”. (CHULE, 2017).

O rigor disciplinar destacou-se nas escolas isoladas, norteado por um ensino tradicional sem levar em conta as particularidades dos educandos, impondo ordem e regras. Louro (1995) expõe que:

“[...] a instituição escolar, desde os primeiros tempos, buscou disciplinar corpos e mentes de estudantes e mestres, ajustando-os a novos ritmos, a uma outra lógica, a um outro espaço; construindo maneiras de ser apropriadas, falas convenientes, olhares e gestos adequados e decentes. Assim, a construção de um corpo escolarizado, controlado e protegido, domado e dominado, parece ter sido, e ainda ser, imperiosa para qualquer empresa educativa. Ontem e hoje, de muitos modos, a escola constrói os corpos dos sujeitos e, também de muitas formas, ela acaba por ser incorporada (ou corporificada) por meninos meninas, homens e mulheres [...]”. (LOURO, 1995, p. 176-177).

Percebe-se a religiosidade muito presente no ambiente escolar.  As entrevistadas relatam que as orações no interior da escola, realizavam-se no início ou ao término das aulas, e foram consideradas, por essas mulheres, como um fator essencial para a vida. Essas pequenas comunidades polonesas estabelecidas em regiões isoladas, no interior do Paraná, organizavam-se a partir da fé católica. Essa realidade podia ser observada, por exemplo, quando as pessoas se encontravam para as orações do terço e celebrações, as novenas, os tríduos, enfim, essas reuniões proporcionavam vínculos entre as famílias e a garantia da perpetuação da identidade polonesa, assim como acontecia com as orações realizadas no interior das pequenas escolas.

O processo de nacionalização instituído a partir de 1938, influenciou a organização escolar, de acordo com Staniszewski (2014, p. 79) “[...] nos programas do ensino primário e do ensino secundário era obrigatório o ensino da história e da geografia do Brasil; estimulando o patriotismo, utilizando os símbolos nacionais e comemoração das datas cívicas”. Entoar o Hino Nacional ou o Hino Municipal fazia parte da rotina escolar, como relatam as entrevistadas.

Quanto às disciplinas lecionadas, aprendia-se o português, matemática, geografia e história. Usava-se um “guarda-pó” branco como uniforme, esse era igual para as meninas e os meninos. A evasão escolar apresentava-se muito elevada. As causas relacionavam-se à falta de condições para ir até à escola devido às longas distâncias, à morte de algum familiar, à conformidade em estudar até o grau oferecido na área rural e principalmente, por ter que abandonar a escola para auxiliar os pais na lavoura.

Das entrevistadas, sete mulheres relataram que gostariam de prosseguir os estudos e somente uma disse não querer continuar, devido aos castigos existentes. As profissões desenvolvidas, após saírem da escola, geralmente relacionavam-se ao trabalho na lavoura, com exceção de Souza (2017) que atuou como professora.

As mulheres deixaram transparecer que gostariam de ter prosseguido seus estudos, ou terem alguma profissão desvinculada da vida do campo. Porém, o ser mulher no início do século XX, significava ter um casamento e uma família. Leva-se em conta que o contexto estudado trazia uma herança cultural muito presente, onde o matrimônio era quase uma questão de sobrevivência. Neste sentido, o casamento e os filhos foram um destino comum a todas. Ser esposa e mãe tornava-se o objetivo essencial da vida dessas mulheres. A vocação de mães apresentava-se como um incentivo no interior das suas famílias de origem e, também, uma proposta da religião a que pertenciam e viviam ora na comunidade, ora ideologicamente impregnada no interior da escola. A disciplina dos corpos e mentes, a falta de incentivos, e condições para a continuidade dos estudos foi significativo na vida e personalidade dessas.

Além disso, a partir dos relatos, percebeu-se que a pouca instrução recebida foi muito importante para a vida das mulheres. Os conhecimentos adquiridos, ainda como estudantes, as ajudaram no dia-a-dia. A influência cultural da escola, família e comunidade marcaram a vida dessas mulheres polonesas.

Mesmo com poucas condições, o ensino obtido ainda rende histórias que são passadas de mães para os filhos, ressaltando o quanto a educação torna-se importante para a constituição dos indivíduos. Com este estudo, observa-se que o o ensino tem um significado cultural e social, pois se estabelece de acordo com as expectativas de determinada época e se molda a partir do contexto onde se insere. O modelo educacional tratado ao longo do estudo (décadas de 1940 e 1950), foi disciplinador, com forte influência religiosa e muito precário, fazendo com que essas alunas se conformassem com sua condição de vida.

Resgatar a história da educação e as maneiras como ocorreu o ensino em diferentes épocas, proporciona questionamentos em torno do significado da educação e do modo como ela se efetiva nos dias atuais, levando ainda a indagações sobre a educação emancipatória.

Referências
Isabelly Pietrzaki Pereira é acadêmica do 4º ano do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de União da Vitória e bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIC) com apoio da Fundação Araucária. 

Profa. Dra. Roseli Bilobran Klein é professora adjunta do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de União da Vitória. Membro do Núcleo de Catalogação, Estudos e Pesquisas em História da Educação (NUCATHE).

CHULE, A. M. L. Entrevista concedida a Isabelly Pietrzaki Pereira. São Mateus do Sul (PR), 21 de maio de 2017. Gravação em Áudio. (Entrevista).

LOURO, G. L. Educação e Gênero: a escola e a produção do feminino do masculino. In: SILVA, L. H.; AZEVEDO, J. C. de (org.). Reestruturação Curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis; Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

RENK, V. E. Aprendi falar português na escola! O processo de nacionalização das escolas étnicas polonesas e ucranianas no Paraná. DISSERTAÇÃO. 243 f. Curitiba; Paraná: UFPR, 2009. Disponível em: <http://www.ppge.ufpr.br/teses/D09_renk.pdf>.

SOUZA, T. E. A. Entrevista concedida a Isabelly Pietrzaki Pereira. São Mateus do Sul (PR), 5 de outubro de 2017. Gravação em Áudio. (Entrevista).

STANISZEWSKI, R. S.  Uma investigação sobre o ensino da matemática nas escolas polonesas em São Mateus do Sul, Paraná. DISSERTAÇÃO. 180 f. Curitiba; Paraná: UFPR, 2014. Disponível em: <http://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36024>.



7 comentários:

  1. Olá,

    Partindo do estudo, seria possível o trabalhar em sala de aula abordando a questão das minorias? Uma vez que essas imigrantes estavam em um ambiente totalmente novo e teriam dificuldade para se relacionar por questões culturais por exemplo?

    Eduardo de Moraes Faria

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    1. Olá Eduardo

      Perfeitamente possível, tendo em vista que essas mulheres polonesas além de não terem muitas perspectivas de vida fora do ambiente familiar, ainda não dominavam a língua portuguesa por completo. Apesar de serem o elo de ligação entre o trabalho (quando se dispunham a labutar na lavoura), e a família (exercendo funções domésticas: na casa, na educação dos filhos, no quintal, na alimentação dos animais...), não tinham consciência da sua contribuição como mão de obra e educadora dos filhos. A escassa aprendizagem que adquiriram em poucos anos de escolaridade as colocava em vantagem, pois podiam acompanhar a aprendizagem dos filhos, participar das celebrações religiosas (muito presente nessas comunidades) e realizar leituras (almanaques, livros religiosos...) que funcionavam como uma espécie de lazer para as mulheres. Então, percebe-se que a educação (mesmo parca) provoca sensações de liberdade, autonomia, e independência.

      Roseli B. Klein

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  2. Olá! O ensino no período de Vargas era realizado em Língua portuguesa? As entrevistas mostraram alguma tática para isto? Tendo em vista que eram organizados pelas mesmas famílias e comunidade? RODRIGO DOS SANTOS

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    1. Olá,
      O que foi possível constatar no estudo é que a intenção no período de nacionalização, implementado por Vargas, era a de todo o ensino ser em Língua Portuguesa, porém, algumas das mulheres entrevistadas falavam somente em polonês quando adentraram a escola, por conta do convívio com a família e comunidade, desse modo, as professoras ora adaptavam as aulas, mas todo o material didático era em português, ora falavam somente em Português e essas meninas tinham que entender e aprender. Outra coisa referente a isto, é que havia um medo de usar a língua polonesa nas aulas, então mesmo com dificuldades de comunicação, a língua predominante era a portuguesa.

      Isabelly Pietrzaki Pereira

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  3. Boa noite, parabéns pelo texto..como fica a relação com a língua polonesa nos dias atuais na referida comunidade, há incentivo de permanência cultural ou a mesma já se perdeu?
    Abraços, sueli eva kwasniewski

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    1. Olá, obrigada pela pergunta.

      Atualmente no município se tem uma grande valorização da cultura polonesa e consequentemente da língua polonesa. Se instituiu o mês polonês, que acontece em agosto todos os anos e são realizadas apresentações artísticas e musicais, festas, além da preparação e venda de pratos típicos. Também tem cursos gratuitos para os interessados em aprender a língua polonesa e também pesquisas referentes a esta cultura. Muitos idosos nas pequenas comunidades ainda utilizam a língua polonesa e as igrejas e capelas católicas celebram alguns ritos em polonês.

      Isabelly Pietrzaki Pereira

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