Rodrigo dos Santos

OS DESLOCADOS PELA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O ENSINO NOS CAMPOS DE ACOLHIMENTO


Segundo Bauman [2017] na atualidade os noticiários de televisão, jornais e os discursos políticos e a internet estão sendo usados para fazerem referências ao que se denominou de crise migratória. Estes discursos afirmam que a Europa estaria se afundando e dissolvendo o modo de vida construído pela modernidade. Esse mesmo aspecto também é observado no Brasil quando as mídias [televisão, jornais e internet] apresentam a imigração, primeiramente de Haitianos e Sírios e mais recentemente de Venezuelanos para os estados brasileiros.

Neste sentido, Bauman [2017] afirma que a migração sempre existiu, o que muda é a frequência e a direção deste fenômeno. O mundo de alguma forma sempre criou uma população que por motivos diversos são consideradas localmente intoleráveis. Com isso, nossa análise se concentra no que será nos anos de 1946 a 1960 um tipo específico de migrante: os deslocados pela Segunda Guerra Mundial e sua relação com o ensino, principalmente enquanto estava em campos provisórios de acolhimento, depois de terminada esta guerra. Pautamos nossas discussões em uma análise bibliográfica do período e do tema.

Para compreendermos quem são estes sujeitos e como foram parar nestes campos de acolhimento precisamos compreender os deslocamentos que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial.  A Segunda Guerra Mundial e os deslocados pela guerra foram objetos de estudos de vários pesquisadores, entre eles Judt [2008] e Shephard [2012]. Estes pesquisadores afirmam que durante a Segunda Guerra Mundial tanto a Alemanha Nazista como a União Soviética de Stalin promoveram deslocamentos dentro do território europeu. A Alemanha Nazista promoveu estes deslocamentos inicialmente nos países conquistados como Polônia, França, Holanda, entre outros. Os deslocamentos eram motivados pela criação de programas de trabalhadores voluntários que passaram a serem de alistamento obrigatório.

Estas pessoas ao chegarem à Alemanha foram obrigadas a trabalhar com salários baixos em minas, fábricas, escritórios e casas de famílias alemãs. Eram ainda estigmatizados, como exemplo os poloneses que deveriam utilizar a insígnia P no braço. Com a proximidade do final da guerra o trabalho concentrou-se em fábricas de armamento subterrâneas. A intenção era abastecer a máquina bélica alemã [Shephard, 2012].

O legado da Segunda Guerra foi milhares de pessoas longe de suas casas [JUDT, 2008]. Com o fim da guerra, milhares de pessoas ficaram longe de suas Pátrias e não tinham como retornar, pois seus países não tinham recursos para seu retorno, devido à destruição. Outros sujeitos não poderiam retornar, devido à nova reconfiguração europeia que mudou as fronteiras, ou ainda não queriam retornar porque seus países estavam sobre regimes totalitários e temiam serem mortos no retorno [Shephard, 2012].

A solução encontrada pelos aliados foi à criação de centros de acolhimento até que essas pessoas pudessem retornar a sua origem ou fossem reassentadas.  Os números de deslocados são controversos, mas estima-se, segundo Shephard [2012] e Judt [2008] que aproximadamente 17 milhões de pessoas ficaram deslocadas pela Segunda Guerra Mundial e que aproximadamente um milhão de pessoas não poderia ou queriam retornar a sua morada por motivos diversos. O que Buruma (2015) e Judt (2008) denominam de o milhão restante.

Judt [2008] aponta que os rótulos vítima e perpetuadores não poderiam ser utilizados para estes sujeitos deslocados pela guerra. Apesar de alguns de alguma forma terem colaborado com os nazistas durante a guerra poderia ter sido a única alternativa para a sobrevivência.

Os campos de acolhimento eram espaços criados nos arredores das cidades, especialmente na Alemanha e deveriam abrigar mais de 3 mil pessoas. Estes espaços eram improvisados, ou tinham sido espaços militares, ou campos de concentração. Eles foram inicialmente coordenados pelos militares aliados, passando na sequência sua organização e administração para a UNRRA- Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação. Os objetivos destes campos eram: alimentação, desinfecção e assentamento ou reassentamento [Shephard, 2012].

Apesar disso, os espaços que eram para serem provisórios tornaram-se permanentes, devido ao grande número de sujeitos que não retornaram. O último campo de acolhimento foi fechado apenas no final da década de 1960 [Judt, 200].  Diante disso, estes campos de acolhimento se transformaram em cidades, muitos deles sendo administrados pelos próprios deslocados com um prefeito e delegado.

Conforme Shephard [2012] as primeiras ações na organização dos campos de acolhimento eram a criação de uma igreja e uma escola. As escolas porque as crianças durante a guerra ficaram irregularmente indo para as escolas e as igrejas, e a escola no campo representava a esperança de um futuro melhor.

Lowe [2017, p. 130] também comenta sobre as escolas:

“Praticamente a primeira coisa a ser instalada na maioria dos campos de PDs foi uma escola. Isso não apenas ofereceu às crianças a educação de que elas tinham sido privadas, mas também lhes deu um sentimento de estrutura e normalidade, em alguns casos pela primeira vez em anos. De acordo com um relatório do exército americano em abril de 1946, as taxas de frequência nas escolas de PDs eram de até 90%”

Lowe [2017] assim como Shephard [2012] mencionam que na organização de um campo de acolhimento a prioridade era a construção de uma escola. Este primeiro autor aponta que de alguma forma era uma política compensatória que as crianças no período da guerra ficaram sem estudar. Além disso, destaca que os deslocados eram muito assíduos, pois a frequência chegava a número superior a 90%.

Apesar disso, as condições para o ensino nestas escolas era em alguns casos precários, marcados pela improvisação: ausência de materiais didáticos e prédios inadequados; e baseado na memorização: o professor falava e os alunos deveriam repetir para a memorização.

Com o aumento dos campos de acolhimento a população também sentiu necessidade do ensino superior, com isso foram criadas universidades específicas para deslocados de guerra.

“Em 1946 o sistema escolar das PDs [Pessoas Deslocadas] se expandia, já não sendo apenas uma escola com uma única sala, e uma variedade de níveis de educação superior se desenvolvia. Os campos judeus tinham aperfeiçoado especialmente a formação técnica; os lituanos acabaram abrindo uma academia marítima em Flensburg e os estonianos, uma universidade agrícola perto de Lübeck. Em 1947, as autoridades da ocupação deram às PDs a oportunidade de frequentar as universidades alemães (10% das vagas eram reservadas para elas), [...] Mas havia também universidades dirigidas pelas próprias PDs. Provavelmente a mais bem-sucedida foi a Universidade Báltica, na zona britânica, contudo a mais famosa era a Universidade da Unrra em Munique, que foi fruto da imaginação de vários europeus do Leste” [In Shephard, 2012, p. 348].

Percebemos que a expansão da necessidade de ensino para as pessoas deslocadas aumentou o número de salas e a variedade de níveis, as séries. Cada campo de deslocado possuía uma etnia que desenvolvia essas ações. Além disso, são perceptíveis que com a necessidade educacional foram criadas universidades específicas como uma academia marítima ou a universidade agrícola; e também universidades gerenciadas pelos próprios deslocados pela guerra como a Universidade Báltica e a Universidade da Unrra.

Igualmente é visualizado que a Alemanha foi forçada a abrir suas universidades para as pessoas deslocadas com uma reserva de vaga de 10%. De alguma forma e ensino para os deslocados pela Segunda Guerra era uma compensação promovida pela Alemanha para os sujeitos que estavam esperando o retorno ou o encaminhamento a novas pátrias.

Shephard [2012, p. 347-348] também aponta as disputas que envolveram o currículo para os deslocados pela guerra:

“Havia também problemas políticos para serem superados. Os poloneses, especialmente, tinham de aguentar importunações da Unrra e dos militares, que relutavam em deixar que eles ficassem muito confortáveis na Alemanha, e estavam preocupados com a possibilidade de um currículo muito nacionalista incomodasse os russos. É claro que para a maioria das PDs, a própria função da educação era inculcar um sentimento nacional [...] As PDs judias insistiam que o idioma de instrução em seus campos deveria ser o hebraico”.

Observamos que duas etnias possuíam confronto com os agentes da organização internacional, da Unrra, pela sua forma de ensino. Os poloneses acreditavam que seu ensino deveria ser baseado no nacionalismo e isso poderia incomodar os russos que tinham como objetivo anexar a Polônia à União Soviética. Já os judeus acreditavam que o ensino em seus campos deveria ser na língua hebraica, o que promovia também conflitos.

O ensino nos campos para pessoas deslocadas no pós-guerra também ocorria de forma informal, em que não necessariamente se baseava em um ensino no currículo escolar.

“As PDS bálticas também se esforçavam muito para organizar a vida social e cultural. Entrevistadas muitos anos depois, jovens letãs se lembram de frequentes danças, jogos esportivos, caminhadas em trilhas e viagens para campar; de lhes ensinarem a remendar e a fazer bainhas, a tecer as luvas típicas letãs com padrões complicados e a bordar capas de almofadas com desenhos tradicionais” [Shephard, 2012, p. 349].

Neste trecho, as letãs são mencionadas quando aprenderam nos campos de deslocados pela guerra na realização de atividades manuais como remendar e fazer bainhas, tecer luvas e bordar capas.

Ainda sobre o ensino não formal, Lowe [2017] também apresenta que os grupos de escoteiros e clubes de jovens eram populares, pois retiravam o clima de destruição causado pela guerra nos campos de deslocados.

Por fim, destacamos neste trabalho que o ensino nos campos de acolhimentos de deslocados no pós-Segunda Guerra Mundial era precário, em alguns casos sem estrutura para salas de aula ou prédios sem adequação, possivelmente sem quadros ou carteiras. Entretanto, como aspecto positivo o ensino funcionava de forma formal e informal, especialmente neste último sendo ensinados trabalhos manuais. Merece também destaque o ensino universitário nas universidades dos próprios deslocados ou nas universidades alemãs com uma cota de vaga. Outra dificuldade enfrentada refere-se à escolha do currículo pela e para as pessoas deslocadas, como exemplo trouxemos os confrontos entre os poloneses e a Unrra, que era responsável pela administração destes campos. 

A Segunda Guerra Mundial foi um conflito que envolveu todos os países do globo. Esta guerra foi a maior tragédia da humanidade, tanto em destruição como em perdas humanas. De alguma forma o pós-guerra foi um prolongamento desta guerra e quando comentamos sobre educação ela foi uma das alternativas para os deslocados, sujeitos que esperavam voltar para casa ou encontrar novas residências.

Referências
Rodrigo dos Santos é doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá [UEM].

BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

BURUMA, Ian. Ano Zero: Uma história de 1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

JUDT, Tony. Pós-Guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

LOWE, Keith. Continente Selvagem: o caos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

SHEPHARD, Ben. A longa estrada para casa: restabelecendo o cotidiano na Europa devastada pela guerra. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

8 comentários:

  1. Olá Rodrigo, você sabe me dizer se houve no Brasil, ou nos Estados que acolheram os refugiados, alguma tentativa de criar um currículo específico para os mesmos?

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    1. Olá Carmem! Pelo que eu pesquisei não, apenas se tinha algumas queixas e obrigatoriedade de um ensino em língua nacional. Nas matérias do jornal Folha do Oeste (de Guarapuava) das décadas de 1950 e 1950 essas observações estão presentes, se comenta sobre a língua nacional o que foi denominado de"caldeamento", de alguma forma esquecer a língua materna. RODRIGO DOS SANTOS

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  2. Boa noite. Eu faço a seguinte pergunta: você tem algum conhecimento sobre o ensino nos campos de acolhimento das pessoas, forçosamente, deslocadas após o final da guerra? Ex: os poloneses expulsaram alemães e ucranianos do seu território, os tchecos expulsaram os alemães, etc. Parabéns pelo texto e obrigado pela atenção. Meu nome é Giovanni Latfalla.

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  3. Olá Giovanni! Possuímos alguns indícios sobre a situação dos deslocados pela guerra (displaced persons)nestes campos, não há algo sistematizado sobre o ensino. Sobre os campos a obra de Shephard "A longa estrada para casa: restabelecendo o cotidiano na Europa devastada pela guerra" apresenta alguns aspectos de como funcionavam estes campos, pois há uma diferença na zona britânica e americana, principalmente no processo de classificação. Sobre os deslocamentos no pós-guerra, ocorre mudanças de fronteiras no imediato. Keith Lowe (2017) aponta que a Segunda Guerra Mundial e consequentemente o pós-guerra é também um conflito étnico, indico o sexto capítulo desta obra (Continente Selvagem): A expulsão dos alemães que menciona sobre a retorno desta população à Alemanha. Anne Apllebaum (2016) "Cortina de Ferro" igualmente apresenta esta disputa no item: "Limpeza Étnica". RODRIGO DOS SANTOS

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  4. Olá Rodrigo, parabéns pelo trabalho! Em seu texto você cita duas etnias, os judeus e poloneses, que enfrentaram problemas na organização de seus currículos por terem bases nacionalistas. Outros povos não tiveram os mesmos problemas nos campos de acolhimentos ou é algo que você ainda não teve contato? Grata, Maíra Wencel Ferreira dos Santos.

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  5. Olá Maíra! Acredito que várias etnias tiveram estas dificuldades, tendo em vista que havia campos de acolhimento mistos ou individuais. Não consegui bibliografia sobre as demais. RODRIGO DOS SANTOS

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