Eloi Giovane Muchalovski


PESQUISA E ENSINO DO CONTESTADO: CAMINHOS E DESCAMINHOS ENTRE A ACADEMIA E A SALA DE AULA


O empreendimento de uma reflexão sobre a pesquisa e o ensino do Movimento Sertanejo do Contestado ao mesmo tempo que é repetitório é também necessário. Não são poucos os autores que já atentaram para a necessidade de integrar a pesquisa sobre o conflito, ocorrido no atual planalto serrano catarinense entre 1912 e 1916, e a sua difusão no ensino básico. Contudo, da mesma forma que uma intensa atividade acadêmica desconstruiu, e vem desconstruindo, uma série de narrativas estereotipadas e preconceituosas acerca as causas do conflito, bem como sobre os agentes sociais envolvidos, há ainda um grande trabalho a ser realizado, de modo a fazer com que as novas análises produzidas no âmbito da pesquisa acadêmica cheguem até a sala de aula.

Neste texto, procuro realizar alguns apontamentos sobre os descaminhos existentes entre o que já se produziu de conhecimento na temática do Contestado e seu respectivo alcance aos educandos de nível básico. Pondero acerca de aspectos que devem ser observados quanto a abordagem do tema em sala de aula. Longe de tentar constituir um manual de orientação para professores do ensino fundamental e médio, minha reflexão objetiva apenas compartilhar a experiência absorvida na formação acadêmica, incluindo um significativo rol de leituras e atividades realizadas durante a pesquisa de mestrado e os anos de interação com discentes e docentes do ensino básico, incluindo a educação de jovens e adultos, e a participação em debates com demais pesquisadores do Contestado.

A produção acadêmica sobre o Contestado
Desde o fim da expedição do general Setembrino de Carvalho, em 1916, e a posterior “limpeza” do sertão por piquetes de vaqueanos e polícias do Paraná e Santa Catarina, obras sobre o conflito foram produzidas de maneira muito intensa. Um ano após a retirada do exército da região, o oficial militar Demerval Peixoto – sob o pseudônimo de Clivelaro Marcial – publicou o primeiro de três volumes da obra que é, até hoje, influente nas narrativas sobre o Contestado, “A Campanha do Contestado” – trabalho posteriormente compilado em único tomo publicado em 1920 e reeditado, novamente em três volumes, em 1995 –. No texto, o autor inaugurou e construiu uma série de elementos factuais e narrativos que persistem na historiografia e incitam novos estudos, tornando-se objeto de pesquisa de estudantes de pós-graduação – grupo do qual me incluo – os quais partem das considerações do autor para investigar a perpetuação de discursos carentes de comprovação.

No entanto, assim como Peixoto (1920), vários outros membros oficiais militares produziram textos relatando, na visão do exército e da elite coronelista da época, os confrontos entre a população sertaneja e as forças públicas. Narrativas que rotularam os rebeldes de bandoleiros e jagunços, os quais, possuídos de um grande fanatismo, fizeram frente ao poderio da recém-criada República e ao capital transnacional.

Coube ao próprio Exército Brasileiro, através de seus memorialistas, construir a versão histórica oficial, impingindo uma visão institucionalizada do conflito, objetivando evitar uma repercussão negativa igual ocorrera com a ação militar na Bahia, quando Euclides da Cunha, através de “Os Sertões” denunciou o despreparo e a enorme violência exercida pelas tropas do governo sobre o arraial de Canudos, fatigando milhares de pessoas.

Durante décadas, as obras dos historiadores de farda – termo cunhado pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues (2001) – deram o tom das observações daqueles que empenharam-se na produção escrita sobre o movimento do Contestado. Apenas durante as décadas de 1950, 1960 e 1970 é que novas observações e metodologias fizeram avaliações de teor mais crítico, resultando em trabalhos inovadores e que se tornaram clássicos para o tema. Destaque para o expediente de Osvaldo Rodrigues Cabral e dos sociólogos Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maurício Vinhas de Queiroz e, principalmente, de Duglas Teixeira Monteiro.

Cada um destes estudiosos, contribui de maneira relevante para encaminhamentos pontuais nas pesquisas que os sucederam. Cabral (1960) foi fundamental na compreensão da atuação e trajetória dos monges do Contestado, em especial do primeiro deles, João Maria de Agostini. Pereira de Queiroz (1957) utilizou uma vasta documentação até então negligenciada, incluído uma gama considerável de fontes da imprensa. Material este que também foi utilizado por Vinhas de Queiroz (1966), autor que desenvolveu resgate detalhado dos acontecimentos, utilizando uma série de entrevistas com sobreviventes, enriquecendo enormemente o trabalho produzido. Já Monteiro (1974), ao contrário de seus colegas da sociologia, desenvolveu uma reflexão menos cronológica dos eventos, estabelecendo uma análise social que retirou da população sertaneja o rótulo de fanáticos e jagunços, propondo uma interpretação muito própria de movimento social, organizada por pessoas normais em luta por objetivos claros e conscientes.

Apesar do importante direcionamento que a sociologia trouxe para a compreensão do Contestado, inúmeros obras, com forte teor preceituoso, continuaram a ser produzidas e utilizadas como material didático. Muitas delas financiadas e publicadas por órgãos oficiais e/ou ligadas a instituições de ensino superior, especialmente durante a década de 1980. Por outro lado, foi também durante este mesmo período, precisamente em 1984, que a educadora Marli Auras publicou um dos mais importantes textos do tema, “Guerra do Contestado: a organização a irmandade cabocla”. Fruto de sua dissertação de mestrado na área da filosofia da educação, o livro deu novo impulso na pesquisa acadêmica sobre o movimento. Vários pesquisadores acabaram sendo influenciados pelo trabalho de Auras, colocando o tema novamente em voga, impulsionados, por sua vez, com o incremento na atividade de ensino superior após a queda do regime militar no país em 1985 e a consolidação da democracia através da promulgação da Constituição de 1988.

Anos depois, nos anos 2000, muito pelo estímulo dado à pesquisa acadêmica, incrementado e fomentado pela criação de novos programas de pós-graduação, a temática do Contestado foi objeto de estudo das ciências humanas em diversas instituições universitárias de todo o Brasil. Na História, a publicação do trabalho de Paulo Pinheiro Machado (2004), reconhecidamente o mais completo e problematizado estudo já produzido na área, guiou e sustentou a superação das narrativas produzidas pelos textos memorialistas, preenchendo importantes lacunas até então existentes.

Tal incremento da produção acadêmica, envolvendo não apenas dissertações e teses, mas também a formação de importantes grupos de pesquisas e a realização de continuados eventos, como o Simpósio Nacional do Contestado, o qual vem sendo anualmente organizado desde o ano de 2012 e que já está na sua quinta edição, têm permitido a consolidação do Movimento Sertanejo do Contestado como um importante e fortalecido tema de estudo histórico.

Os constantes debates e trocas de conhecimento entre diferentes pesquisadores, suscita a urgente necessidade de levar este avanço interpretativo também para a sala de aula do ensino fundamental e médio, renovando e aprimorando os livros didáticos, os quais, em suma maioria, não oferecem quantidade e qualidade de conteúdo na temática, discutindo o Contestado, quando o fazem, como um subtema de Canudos, negando ao movimento sertanejo do Sul a condigna importância histórica.

No mesmo sentido, vê-se a premência de suprir o desconhecimento do tema pelos próprios profissionais que atuam nas escolas do país, assim como da própria região palco do conflito. A proximidade territorial dos eventos não reflete positivamente na valorização do Contestado como temática de ensino, tal qual como exemplo de congregação de uma população em defesa de direitos negados no ontem e no hoje. Nada obstante, este distanciamento narrativo entre o espaço, o tempo e realidade atual, não é algo dado, definido pelo acaso, e sim um objeto erigido ao longo dos anos através de uma opressão política e discursiva que, historicamente, impeliu ao movimento sertanejo um rótulo de revolta criminosa, passível de vergonha e esquecimento.

Em recente artigo publicado na revista História Hoje, os professores Eloy Tonon e Soeli Lima apresentaram resultados da pesquisa realizada com profissionais da educação atuantes em 22 escolas da rede estadual de ensino do Planalto Norte de Santa Catarina, em municípios pertencentes à 26ª Gered/SC, especialmente sobre o conhecimento destes acerca de ataques ocorridos a então vila de Canoinhas durante a guerra. Em conclusão, os autores atentam para “a necessidade da produção de materiais sobre o movimento do Contestado que sejam acessíveis ao Ensino Fundamental (séries finais) e ao Ensino Médio” (TONON e LIMA, 2016, p. 199), constatando que a especialização do tema e a produção de vasto material acadêmico ainda não alcançou em profundidade os professores da rede básica, tão menos os estudantes.

A integração entre pesquisa e o ensino do Contestado
De fato, os importantes avanços interpretativos auferidos nos últimos anos pelos pesquisadores ainda não refletiram enfaticamente sobre a produção de materiais didáticos. Mesmo a formação de muitos educadores não foi devidamente suprida com estes avanços. O que tem embasado os profissionais no ensinamento acerca do conflito, são cartilhas em alusão a datas comemorativas, geralmente produzidas por jornais que, ora e outra, lançam cadernos sobre o Contestado e que, na grande maioria, lamentavelmente, são perpetuadores de uma série equívocos historiográficos já superados pelas recentes pesquisas. Estes materiais, ao invés de contribuírem para uma positivação do tema, acabam cooperando para uma maior consolidação de estereótipos preconceituosos sobre a população sertaneja remanesce.

Dentre os equívocos, posso citar a recorrente citação de que grande parte dos revoltosos que participou do movimento foi constituída de trabalhadores recrutados nos grandes centros urbanos do nordeste e sudeste do país, e que, após o término da construção da Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande, foram abandonados pela empresa Brasil Railway, integrando assim o contingente de “jagunços”. Esta narrativa já foi a tempo descartada por Márcia Janete Espig (2008) em sua tese de doutorado, comprovando que não há registros contundentes sobre significativa utilização mão de obra oriunda de outras regiões, tampouco de que estes ficaram no Contestado, mas que a massa de trabalhadores foi recrutada entre a população local, incluindo caboclos e imigrantes europeus.

Recentemente houveram iniciativas que produziram conteúdo didático e paradidático sobre a Guerra do Contesto, sendo este distribuído pela Secretaria Estadual de Educação e pelas Secretarias Municipais. Nada obstante, “trata-se de um material que frequentemente repete os preconceitos da antiga historiografia e da crônica militar sobre os sertanejos, sendo desqualificados como ‘fanáticos’, ‘jagunços’ e ‘ignorantes’ “(MACHADO, 2017, p. 74).

Se é observável a negligência dos autores de livros didáticos quanto a importância do movimento do Contestado para a história do Brasil, e quiçá da América Latina, isto não é motivo para que o tema seja simplemente excluído do aprendizado dos alunos. Há possibilidades de sua utilização não só na disciplina de história. A mobilização de uma população em vasta área do planalto meridional, integrando diversos ramos étnicos em prol de uma ideal igualitário de e bem comum, é único e serve como mecanismo interpretativo para diversas abordagens em sala de aula.

A participação ativa de mulheres com líderes dos redutos, liderando combates, podem ser utilizadas para desconstrução de visões machistas e valorização do papel da mulher na sociedade. A organização das cidades santas, o papel atribuído a cada membro da irmandade, apontam para uma abordagem que enfatize a necessidade da organização coletiva, da prática da cidadania para o bem comum, estimulando a colaboração mútua entre os alunos, fazendo-os perceber a necessidade de práticas de equidade entre as pessoas. O discurso de valorização da natureza, por exemplo, de respeito aos indígenas, presente nos relatos sobre o monge João Maria, oportunizam a elaboração de planos de aula que objetivem o despertar ambiental e humanístico, valorizando a diversidade étnica e a preservação da fauna e flora, tão necessário para a garantia de um planeta sustentável.

Enfim, as possibilidades são variadas, contudo, de nada contribuirão se antigos rótulos atribuídos aos revoltosos não forem desfeitos. Nesse sentido, não só o cuidado com o tipo de material didático utilizado é necessário, mas também com outros materiais de apoio, como vídeos e imagens. Há uma infindável produção de conteúdos distorcidos na internet, carregados de erros factuais e interpretativos sérios e preocupantes. Dentre os materiais mais conhecidos está o filme produzido na década de 1970 pelo cineasta Sylvio Back, intitulado “Guerra dos Pelados”, o qual rotula a população sertaneja de ignorante, incapaz de entender a modernidade no seu contexto. Na obra, uma das personagens, interpretado pelo famoso ator Estênio Garcia, passa boa parte do longa-metragem preparando-se para lutar contra um dragão de ferro que cospe fogo, alusão ao trem. Munido de um facão de madeira, a personagem é violentamente atropelado pela locomotiva. Tal representação, expõe uma concepção que objetiva desqualificar o caboclo no que tange sua capacidade de compressão do mundo. O trem não era uma novidade para aqueles sujeitos. Já haviam estradas de ferro em outras regiões. A população tinha conhecimento da existência do tem devido ao grande fluxo que o tropeirismo promovia, levando e trazendo informações sobre assuntos em voga no Brasil e no mundo.

A ignorância da população, apontada pelos textos menos problematizados como causa principal do conflito, é uma das interpretações que também necessitam de uma releitura em sala de aula. É necessário valorizar os saberes e a cultura cabocla na sua essência, um jeito de viver desligado da lógica capitalista do acúmulo, valorativo dos aspectos relacionados a um modo de sobrevivência que serviu inclusive para o desenvolvimento da colonização europeia. O discurso do progresso por meio do empreendimento do imigrante, “trabalhador nato”, “disposto para o trabalho”, teve amparo no conhecimento das populações nacionais sobre o cultivo da terra. A cultura e o conhecimento do sertanejo local foram incorporados pelos estrangeiros, fazendo existir, nas palavras de Machado (2004), um acaboclamento dos imigrantes.

Portanto, como nos ensina Pires de Queiroz (2012, p. 104-105):

“Considerar a articulação entre teoria e prática, formação acadêmica e contexto escolar é desenvolver, nos princípios da interdisciplinaridade, uma formação voltada para a análise crítica e reflexiva do movimento e desenvolvimento dos processos políticos, sociais, culturais e econômicos da sociedade”.

Considerações finais
Em artigo recente, Machado (2017) elencou quinze parâmetros e balizas importantes para a formação de professores e para produção de material didático sobre o movimento do Contestado. A maior parte deles foram sinteticamente absorvidos e expostos durante esta breve reflexão, outros, dos quais considero tão importantes quanto os demais, são relevantes para pensarmos a valorização do Contestado como um movimento que buscou questionar a ordem vigente, uma guerra de um governo contra seu próprio povo, em que pessoas lutaram e arriscaram-se em defesa de um ideal de igualdade, fazendo frente às imposições autoritárias. Todavia, tanto pela brevidade que este texto abordou um tema tão importante, como pelo fato de reconhecer que minha contribuição não supri, nem de perto, a totalidade do assunto, deixo, por fim, a sugestão de leitura do citado artigo publicado pelo historiador Paulo Pinheiro Machado (2017), servindo como fechamento e aprofundamento das singelas ponderações aqui apresentadas.

Referências
Eloi Giovane Muchalovski é discente do Programa de Mestrado em História e Regiões da UNICENTRO, membro do Grupo de Pesquisa Estudos em História Cultural da UNICENTRO e participa do NUPHIS - Núcleo de Pesquisa em História da Universidade do Contestado.

AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Editora UFSC: Assembleia Legislativa; São Paulo: Cortez Editora e Livraria, 1984.

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

_________. O Contestado na sala de aula. Cadernos do CEOM, Chapecó (SC), v. 30, n. 46, 2017. Disponível em: bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/3485

MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado. São Paulo: Duas Cidades, 1974.

PEIXOTO, Demerval (Clivelaro Marcial). Campanha do Contestado –Episódios e impressões. Rio de Janeiro: Segundo Milheiro, 1920.

PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. La "Guerre Sainte" au Brésil: Le mouvement messianique du "Contestado". São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1957.

PIRES DE QUEIROZ, Paulo Pires de Queiroz. A pesquisa e o ensino de História: espaços/processos de construção de identidade profissional. In: NIKITIUK, Sônia L. (Org.). Repensando o ensino de história. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2012.

RODRIGUES, Rogério Rosa. Os sertões catarinenses: Embates e conflitos envolvendo a atuação militar na Guerra do Contestado. 2001. 115 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

TONON, Eloy; LIMA, Soeli. Guerra do Contestado e ensino de História: sobre os ataques de sertanejos no município de Canoinhas (1914-1916). Revista História Hoje, v. 5, n. 10, 2016. Disponível em: rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/263

VINHAS DE QUEIROZ, Maurício. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado (1912-1916). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1966.

6 comentários:

  1. Boa noite Eloi,

    A obra cinematográfica de Sylvio Back "Guerra dos Pelados" pode ser encarado como um bom ponto de partida para a desconstrução dos estereótipos acerca da temática, ao desconstruirmos a própria obra. Nos seus estudos, a presença da temática dos livros didáticos é significativa? Ainda apresenta os mesmos estereótipos de outrora?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Boa tarde Maicon, obrigado pela leitura e seu questionamento.

      Certamente o trabalho de Sylvio Back, tanto com "Guerra dos Pelados" assim como “Contestado: restos mortais”, podem, e devem ser utilizados para desconstrução destes estereótipos, contudo, há a necessidade de se ter muito cuidado neste intento, pois o conhecimento destes nuances por parte do professor precisa ser muito bem dominado e transmitido aos educandos. Da mesma forma, com os livros didáticos, o que se percebe nos novos materiais produzidos sobre o tema ainda é a perpetuação de vários estereótipos, ou a sua própria negligência enquanto tratativa da história do Brasil. Na recente obra de Lilia Schwarcz e Heloísa Starling (2015), “Brasil: uma biografia”, por exemplo, texto em que as autoras propuseram fazer uma abordagem sintética, mas consistente, sobre o percurso histórico do país, não há um único parágrafo sobre a temática, enquanto isso, Canudos mereceu mais de três páginas, demonstrando a discrepância entre a valoração dos eventos. Quanto aos materiais didáticos, houve recentemente (2012) a publicação de um livro ilustrado, autoria de Jaczan Kaiser, “Guerra do Contestado: a revolta dos caboclos no sertão catarinense”, destinado tanto à utilização com jovens em sala de aula bem como à um público mais amplo, prometendo condensar as novas interpretações do movimento de modo didático e simplificado, porém não conseguiu desvencilhar-se dos velhos é preconceituosos adjetivos atribuídos aos rebeldes, chamando-os de “ignorantes” e “supersticiosos”. Uma excelente análise deste texto foi realizada pelo Rogério Rosa Rodrigues em livro resultante do último encontro regional da Amphu/PR 2016, servindo como leitura complementar acerca de seu questionamento.

      Eloi Giovane Muchalovski

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  2. Boa noite Eloi,

    Você cita em seu texto como duas possíveis causas dos problemas na educação sobre o Contestado os materiais didáticos deficitários e problemas na formação de professores. Você acha que esses problemas na formação se devem a uma negligência aos temas de Histórias regionais na formação de professores e de profissionais de História em geral? Como você acha que poderíamos elucidar esses temas mais recorrentemente na graduação?

    Renan Jacquet.

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    1. Olá Renan, obrigado pela leitura e pergunta.

      Acredito que o problema não seja exatamente por uma negligência quanto a abordagem de “Histórias Regionais” (no plural) devido a própria amplitude desta categoria enquanto tema, em que aspectos mais teóricos do conceito de História Regional, Local, etc, já possibilitam dimensionar esta problemática. O ponto central refere-se a própria importância dada ao Contestado enquanto evento histórico. O movimento social do Contestado extrapola uma categorização regional, quiçá nacional, pois é considerada pela historiografia recente como um movimento de significativa relevância latino-americana, em que um grupo grande de pessoas, em vasto território, resistiram por tanto tempo a sucessivas expedições militares, mobilizando mais da metade do Exército da época, alcançando dimensão internacional. Portanto, a presença do tema nos materiais didáticos perpassa a sua valorização no ensino superior, uma vez que, no âmbito da pesquisa, o Contestado já pode ser entendido como um campo de estudo consolidado, necessitando, contudo, adentrar as portas da própria História do Brasil e da América enquanto disciplina de graduação, e isso ainda não ocorreu.

      Eloi Giovane Muchalovski

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  3. Olá Eloi, parabéns pelo trabalho ! Em seu texto você menciona pesquisas as quais mostram que a própria produção de material didático ainda é feita de forma a manter certos preconceitos e que a formação de professores é deficiente nesse sentido e tudo isso contibui para a continuidade dos esteriótipos acerca dos sujeitos do Contestado.
    Gostaria, portanto, de saber o que poderia justificar a permanência desse tipo de produção e de ensino, mesmo em um momento que existem diversas pesquisas que vão ao contrário desse pensamento esteriotipado. Seria, talvez, não negligência, mas algo parecido com o que acontece com o ensino de outros eventos da história brasileira como o 7 de setembro, Tiradentes, e outros, que procuram manter a história oficial, ainda, em favor do Estado?

    Maíra Wencel Ferreira dos Santos

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    1. Boa noite Maíra, obrigado pela leitura e contribuição.

      Sua pergunta já possui a resposta. Sim, há, infelizmente, assim como Tiradentes, uma “história oficial” que persiste em imputar àqueles sujeitos históricos uma narrativa estereotipada. No mesmo sentido, existe uma disputa pela verdade sobre o conflito, a qual tenta, a todo custo, apropriar-se do Contestado para impor a sociedade a sua versão dos eventos. Uma versão narrada pelos vencedores e por uma elite ligada às oligarquias locais e estaduais da época. Exemplo disso, é a recente inauguração na Câmara de Vereadores de Canoinhas de uma galeria com fotos (acredite, em homenagem ao centenário do Contestado), tiradas pelo exército que, em apenas uma delas, estão retratados os rebeldes. Todas as demais desenham as figuras daqueles que representam o poder opressor, ou seja, o Exército, os coronéis e os grupos de vaqueanos. Portanto, como você mesma percebeu, têm-se a procura em manter a história oficial, não em favor do Estado, mas sim em favor de interesses políticos que camuflam o real sentido do conflito: sua essência de “movimento social”.
      Um abraço.
      Eloi Giovane Muchalovski

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