Gabriel Irinei Covalchuk


PROCESSO DE EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA, CONTROLE ACADÊMICO NO SÉCULO XVIII E MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS NO SÉCULO XXI


Introdução
Busco mostrar nesse texto a primeiro momento e de grosso modo, como foi o processo de desenvolvimento da educação na Idade Média, iniciando pelos moldes do cristianismo, passando pela Patrística, Escolástica até a criação das Universidades. Em segundo analiso dois documentos, o Authentica Habita e o Estatuto da Universidade de Sorbone (1274), mostrando a preocupação do Rei Fredeirico Barbaroxa com os mestres e alunos do ‘saber’ e como era regulada a vida dos estudantes universitários, comparando com uma discussão atual, militarização das escolas.

Inicio da Educação Cristã
Podemos dizer que com o surgimento do Cristianismo, a educação e a cultura ocidental tem novos rumos, o mestre (Jesus), seguido por seus alunos (discípulos), já mostravam uma educação sem escola, no entanto com uma figura chave (discente) onde ocorre o desenvolvimento do processo educacional.

Com o passar o tempo e acontecendo a institucionalização da igreja no século IV é realizado um nova estrutura de ensino, no entanto, o conhecimento e aprendizagem iniciou com maior perspectiva já no século III, onde os padres da igreja percebendo um necessidade é uma legitimação de seus discursos começam a defesa de valores éticos e morais cristão, o qual ficou denominada como Educação Patrística. Esses espaços não eram a universitas (será explicada mais a frente) do século XIII, mas era o encaminhamento para a mesma.

“A retomada da filosofia platônica fundamenta a necessidade da criação de uma rigorosa ética moral, do controle racional das paixões e a predileção pelo supra-sensível. A patrística auxilia a exposição racional da doutrina religiosa, preocupando-se principalmente com a relação entre fé e ciência, com a vida moral, com a natureza de Deus e da alma”.

Diferente da base apenas pela fé, a Patrística utilizava-se de argumentos racionais, não era o apenas Deus vult. Não podemos dizer que era nula a existência dogmas pregado pelos Padres, mas sim que é um conceito inovador para época, visto que a moral é exposta e fundamentada por Tertuliano no século II, Bardaisan (154 d.C – 222) legitima toda cidade de Edessa com as leis do Messias, mesmo assim havia a necessidade de uma propagação de ideias.

Podemos citar alguns representantes dessa educação, Clemente de Alexandria, Orígenes e Tertuliano e Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona. Santo Agostinho defende que para o homem chegar ao verdadeiro conhecimento ou saber, é necessária a iluminação divina para isso o mesmo deve desprender-se dos sentimentos carnais e toda a materialidade para ir ao encontro de sua alma. O mestre, não é um mero transmissor de conhecimentos, mas um facilitador da aprendizagem.

Educação Escolástica
A educação escolástica se desenvolve no século IX e vai até o Renascimento, surgindo durante o Renascimento carolíngio. O termo scholasticus’, que significa ‘aquele que pertence a uma escola’. Utilizou-se da base da patrística, porém deixando mais de lado a teologia em si, e preocupando-se com a formulação da filosofia cristã e a prática especulativa. Essa ‘educação’ deu outros rumos para o sistema de ensino.

“A partir do século IX, sob a inspiração de Carlos Magno, o sistema educacional apresenta-se organizado em três níveis: I - Educação Elementar, ministrada pelos sacerdotes em escola paroquiais. Essa educação tem por finalidade mais doutrinar as massas camponesas do que instruí-las; II – Educação Secundária, ministrada nos conventos; e III - Educação Superior, ministrada nas Escolas Imperiais, onde eram formados os funcionários do Império”. (FILHO, 2010, p.20)

Carlos Magno fundou as escolas monacais, junto aos mosteiros, catedrais, igrejas e as palatinas anexadas às cortes. Outro principal ponto é a base do currículo educacional medieval, que ficou conhecido como as “As Sete Artes Liberais”, dividas entre o trivium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Acreditavam que com esses ensinos iriam resgatar a experiência humana esquecida e assim desenvolve-se um novo conceito de educação.

O método de ensino era baseado na leitura (lectio) e interpretação de textos, seguida de debates (disputatio) sobre os temas estudados. Os conhecimentos ensinados nestes locais eram de suma importância para o desenvolvimento das atividades econômicas burguesas, o que levou esta classe social a lutar contra o monopólio do conhecimento detido pela Igreja, por mais que possa parecer anacrônico, parece que se encaixa perfeitamente aqui o conceito de ‘educação libertadora’ de Freire.

Surgimento das Universidades
Outro fato relevante é a criação das universidades, que na verdade são criações eclesiásticas surgindo como extensões dos colégios episcopais, mas podemos dizer que esse sistema educacional só ficou mais complexo e teve destaque por volta do século XIII, tanto que termo universitas era usado antes disso para designar associação ou corporação de ofício.

“…Criada pelo Papado, a Universidade tem um caráter inteiramente eclesiástico: os professores pertencem todos à Igreja, e as duas grandes ordens que ilustram, no século XIII, Franciscana e Dominicana, vão lá, em breve cobrir-se de glória, com um S. Boaventura e um S. Tomás de Aquino; os alunos, mesmo aqueles que não se destinam ao sacerdócio, são chamados clérigos, e alguns deles usam a tonsura – o que não quer dizer que aí apenas se ensine a teologia, uma vez que seu programa comporta todas as grandes disciplinas científicas e filosóficas, da gramática à dialética, passando pela música e pela geometria.” (PERNOUD. 1996, p.98).

Percebemos que o conhecimento no final de Idade Média (seguindo a definição clássica) já está funcionando institucionalmente. O que percebemos é o inicio da educação bancada por uma Cristandade até chegar à criação das Universidades, como afirma Pernoud os professores são todos pertencentes à igreja, como esperar algo crítico contra a mesma; repare que estamos falando de uma visão unilateral, muito próximo do que está tentando ser imposto atualmente, (militarização das escolas).


Authentica Habita (Posturas Autênticas)
A professora Terezinha Oliveira nos apresenta dois documentos importante para a analise educacional da Idade Média.

Authentica Habita (1155/58). Este documento foi editado pelo imperador Frederico Barbaroxa (1122-1190). Nele, o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (1152-1190) apresentou uma lei que teria sido a primeira a defender os interesses dos homens de saber - ou daqueles que se dedicavam ao conhecimento. O segundo é o Estatuto da Universidade de Sorbone (1274), documento elaborado no interior da própria Universidade e tinha como objetivo regular a vida dos estudantes no lócus universitário”. (OLIVEIRA. 2009, p. 683)

Seguindo a orientação do texto da professora citada e percebendo que realmente poucas pessoas conhecem a obra Authentica Habita (Posturas Autenticas), resolvi colocar o documento na integra. Nela o imperador Frederico Barbaroxa edita um decreto protegendo os homens de/do saber.

“O imperador Frederico. Tendo havido um diligente exame dos bispos, dos abades, dos chefes (generais) e de todos os juízes e de próceres (grandes) do nosso palácio sobre isto, concedemos a todos os alunos que iniciam (peregrinam) na causa dos estudos, e principalmente aos mestres (professores) das divinas e sagradas leis esse benefício da nossa piedade, a fim de que, nos lugares em que se exercitam (praticam) os estudos das letras (literaturas), tanto os mesmos quantos seus mensageiros (intérpretes) venham e habitem seguros nos mesmos (lugares). De fato consideramos digno que, como fazendo o bem mereçam o nosso louvor e a nossa proteção, por uma especial dileção (afeto) defendamos de toda injustiça (injustiça) a todos aqueles por cuja ciência o mundo é iluminado e a vida dos súditos (sujeitos) é informada para que obedeçam a Deus e a nós, ministros dele. Quem não se compadecerá deles? Tendo sido expulsos pelo amor da ciência, pobres de bens se exaurem (esgotam) a si mesmos, expõem suas vidas a todos os perigos, e – o que deve ser tido como muito grave – sofrem (recebem) muitas vezes ofensas (injúrias) corporais por porte de homens muito vis (sem valor), se motivo algum. Por isso, decretamos esta lei geral e válida para sempre, que ninguém de agora em diante seja encontrado tão audaz que presuma produzir alguma injustiça (injúria) contra os alunos (estudantes), nem provoque contra eles algum dano, por causa de dívida de alguém da mesma província, o que de vez em quando ouvimos ter sido feito por um perverso costume. A todos os que negligenciarem conhecer esta sagrada lei e o tempo dela, se descuidarem de reivindicar isto, os reitores dos lugares, será exigida de todos (reitores) a restituição das coisas furtadas ao quádruplo, e, aplicada a nota de infâmia pelo mesmo direito, percam eles para sempre a sua dignidade (cargo). Mas, se alguém quiser mover ação contra eles por algum negócio, pela opção dada aos alunos a respeito desta situação, convém que os mesmos compareçam diante do senhor, ou do seu mestre, ou do bispo da mesma cidade, aos quais concedemos jurisdição para isso. Quem, porém, tentar levá-los a outro juiz, mesmo que a causa seja justíssima, caia (sucumba) por tal ímpeto. Ordenamos, contudo, inserir esta lei entre as constituições imperiais sob o título “Não (há) filho a favor (ou em lugar) do pai etc.” (Cod, 4,13 post 1.5)

A analise desses documentos deixa claros a importância dos homens do saber e os alunos, já que o próprio imperador o busca defende-los. Os homens do século XII trazem consigo a dúvida se o saber é um dom divino ou é um fruto do conhecimento, essa ideias que pariam sobre a mente dos mesmos vão levar a inúmeras definições na posterioridade, pois nenhum decreto é inocente, não é apenas a igreja defendendo o ensino, mas também o estado, tudo se trata de um jogo de tensão e interesse. É de clara percepção o uso da proteção do estudo para legitimar o governo, “para que obedeçam a Deus e a nós, ministros dele”, é a defesa dos estudantes (futuros homens do saber) não ataquem o estado nos seus escritos (corpos dóceis).

Quando o conhecimento é realizado apenas com uma única visão e a mesma é defendida juntamente com o estado, qualquer ‘Freire’ e levado a fogueira ou o DOPS-COD mesmo após ter falecido.

Estatuto da Universidade de Sorbone
Os homens do século XIII já mais definidos vão desenvolver um estatuto para regulamentar a vida dos alunos, tanto que nesse período as universidades serão organizadas como um internato; os discentes que moravam na ‘casa’ deviam seguir os costumes estabelecidos, não devendo transgredir os mesmos, mais ou menos como quartéis onde a fala é: ‘você tem dois direitos, 1º você não tem direito, 2º você deve renunciar seu primeiro direito’, ou seja, siga o que nós falamos e não questione; para que tudo corra bem.

“Ninguém seja recebido na casa (escola), a não ser que prometa fidelidade, que se acontecer isso de o mesmo receber os livros da comunidade, que como seus assim os observará fielmente, e de modo algum os esquecerá nem os deixará guardado fora da escola, e integralmente os devolverá em qualquer tempo em que forem exigidos pela escola e quando acontecer de sair da vila.” (Chartularium ... doc. no . 448. Trad. livre)

O aluno deveria ser fiel a escola, não questionando métodos de ensino ou outros temas de estudo, o conhecimento prévio é deixado de lado; os livros devem ser lidos e tomados como dogmas, pois quem os escreveu (membros do clero) são os detentores do conhecimento e seguem a iluminação divina descrita por Agostinho de Hipona.

Outro ponto de destaque no documento é a relação com os que discente de baixa condição financeira, como em qualquer época existiam alunos pobre que necessitavam da ajuda eclesiástica para se manter, mas não era tão gratuitamente essa ‘graça’, os que recebiam esse auxilio deveriam estar apto a ensinar e pregar as coisas da igreja, caso contrário seria vetado do beneficio. Além de tudo para conservar os bons hábitos da casa era utilizado penas em dinheiro contra os que já não tinham nada.

Considerações finais
Embora os documentos sejam escritos em datas distintas, ambos servem para mostrar a ambiência citadina e a estreita relação do conhecimento com o poder. Podemos perceber que a educação cristã no inicio era sempre reproduzida por uma visão unilateral e com difícil abertura para questionamentos. O estatuto (pode ser melhor debatido) regulamentava o que o estudante deve ou não fazer, qualquer transgressão do mesmo implicava em severas penas, fazendo com que reproduzam o querer de quem tem o exercício do poder.

Esse controle do discente não é algo recente, mas sim um processo histórico. Esse ideais de manipular quem futuramente irá nortear a produção dos formadores de opinião não ficam preso apenas na Europa, mas tem uma reflexão no Brasil; que embora tenha sonhado com uma educação libertadora descrevida por Paulo Freire, hoje enfrenta sérios cortes e congelamento de gastos no ensino público, tanto que a tendência agora é militarização das escolas públicas consideradas ‘problemas’ (e tendem a expandir por todo o território brasileiro), ou seja, vamos medievalizar a educação, afinal de contas a visão unilateral implica no ficar em total silêncio, bater continência, e dizer sim senhor, pois pluralidade de pensamento pressiona os ‘aristocratas do ensino’.


Referências
Gabriel I. Covalchuk é acadêmico do 4º ano do Curso de Licenciatura em História da UNESPAR, Campus de União da Vitória-PR e Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, vinculado ao projeto Linguagens e Tecnologias no Ensino de História, desenvolvido pelo LAPHIS sob orientação do professor Everton Carlos Crema e da professora Dulceli de Lourdes Estacheski Tonet.

PERNOUD, Regine. Luz sobre a Idade Média. Publicações Europa-América, 1996. pp. 98

FILHO, João Cardoso Palma, A Educação na Antiguidade In: Caderno de formação de professores, educação, cultura e desenvolvimento. UNESP – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

OLIVEIRA, Terezinha, Memória e História na Educação Medieval: Uma análise da Autentica Habita e do estatuto de Sorbonne. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 14, n. 3, p. 683-698, nov. 2009.

9 comentários:

  1. Bom dia Gabriel,

    Com base nas suas pesquisas, quais as fontes que utilizastes para a afirmação acerca da proliferação das escolares militares dentro do contexto atual?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Maicon, agradeço pela pergunta e por ter lido o texto, percebi a falha na questão da explicação usual da fonte com a mesma. Defendo uma visão freiriana de ensino, o que vai totalmente contra a militarização das escolas, busquei encontrar algum livro ou artigo referenciando os assuntos, mas não obtive sucesso, fique apenas com os sites e jornais divulgados na atualidade que manipulam as massas, como a Gazeta do Povo e o Uol, deixo dois sites com a matéria que usei, qualquer dúvida estou a disposição.
      http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/08/1913223-bolsonaro-quer-militarizar-ensino-no-pais-e-por-general-no-mec.shtml

      http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/ordem-em-meio-ao-caos-escolas-militares-ganham-espaco-com-bons-resultados-8mvefin96no0oydxmdkgaqreh

      Excluir
  2. Boa Noite Gabriel!
    Primeiramente parabéns pela pesquisa!

    Com base em suas pesquisas, quais foram os principais pólos de educação na Europa?

    Leonardo Henrique Giacomini

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite Leonardo, agradeço pela felicitação e por ter lido o texto, com base em minha pesquisa que as primeiros pólos de educação mais antigos não são europeias e sim africanas, Universidade al Quaraouiyine fundada em 859 em Fez no Marrocos; Universidade de Al-Azhar fundada em Cairo no Egito em 988. E na Europa os primeiros e principais pólos são: Bolonha, Oxford, Módena, Paris, Salamanca, Montpellier, Pádua, Nápoles, Toulouse, Siena, Valladolid, Múrcia, Coimbra e Alcalá fundadas nos séculos XI-XIII.
      Não sei se respondi a sua pergunta, mas qualquer coisa estou a disposição, abraços.

      Excluir
  3. Boa tarde, gostei bastante do texto e acredito na sua amplitude como base para pesquisa, mas eu gostaria de saber se existem referências qualitativas sobre o modelo de ensino militar?

    Paulo de Mendonça Mafra

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Paulo, agradeço pela questão e por ter lido o texto. Existem muitas, a maioria das matérias que analisei falam da qualidade do ensino militar, o que entra em questão é se esse ensino realmente tem proveito na vida e na realidade do aluno, ou apenas doutrino ele para o ENEM, Vestibulares ou questões unilaterais, sabemos que a história é um processo e não algo linear e limitado.
      Não sei se respondi sua questão, mas qualquer dúvida estou a disposição.

      Excluir
  4. Boa tarde, quando você abordou o surgimento das universidades, afirmou que as universidades tornaram-se mais complexas por volta do século XIII. Gostaria que explicasse que mudanças o ensino universitário passou nesse século para tornar-se mais complexo em relação ao que era antes? Raul Fagundes Cocentino

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Raul, Carlos Magno fundou as escolas monacais, junto aos mosteiros, catedrais, igrejas e as palatinas anexadas às cortes, mudando também a base do currículo educacional medieval, que ficou conhecido como as “As Sete Artes Liberais”, dividas entre o trivium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Acreditavam que com esses ensinos iriam resgatar a experiência humana esquecida e assim desenvolve-se um novo conceito de educação. Creio que é nesse sentido, com Carlos Magno e o estudo das artes liberais, começou o despertar para o conhecimento não dogmático religioso.
      Qualquer dúvida estou a disposição.

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.