Carla Cattelan

VOZES DA DOCÊNCIA: PRIMEIRA PROFESSORA DE MARRECAS - PR ALBA PAZ DA SILVA (1945)


Introdução 
O presente fragmento é parte integrante da dissertação de mestrado em educação, que buscou compreender as escolas rurais multisseriadas em Francisco Beltrão - PR entre os anos de 1948 a 1981. O presente texto tem o objetivo de apresentar como “voz da docência” a história de vida e educacional da primeira professora de Vila Marrecas (atual munícipio de Francisco Beltrão) Alba Paz da Silva, da qual iniciou sua docência informalmente em Barra do Tunas (comunidade rural, atual Menino Jesus), em 1945. A história tem apresentado a professora Alba Paz da Silva como a primeira professora de Vila Marrecas, já que, mesmo que informalmente, organizou a turma em prol da educação primeira a uma parcela da camada pobre e rural (os migrantes), em um lugar, até então “esquecido” pelos representantes governamentais no que compete a educação primária.

A educação formal se concretizou em 1948, com a construção de escolas multisseriadas rurais pela Colônia Agrícola Nacional General Osório – CANGO (Órgão do Ministério da Agricultura). A colônia cadastrou os alunos em idade escolar, organizou as turmas, construiu as escolas e/ou disponibilizou material para a construção, contratou professores e manteve a organização pedagógica das escolas multisseriadas rurais.  Alba iniciou a docência em 1945 informalmente no galpão de seu pai, foi professora contrata pela colônia, e na década de 1950 passou a lecionar como professora estadual. O texto traça uma linha tênue entre a memória oral, os relatos manuscrito da professora e a documentação encontrada, e que metodologicamente o texto procura reconstituir o início da trajetória educacional da professora Alba em 1945, por meio da historiografia.

No ano de 1948, Vila Marrecas recebeu a sede definitiva da Colônia Agrícola Nacional General Osório – CANGO, da qual proporcionou significativo desenvolvimento para a Vila/Município, principalmente no que se refere ao campo educacional. Marrecas foi vila do município de Clevelândia até o ano de 1952, quando em 14 de dezembro de 1952 foi elevada a município de Francisco Beltrão.

Com a criação e instalação da colônia, a partir de 1943, por meio da política de Marcha para o Oeste, delineada por Getúlio Vargas, o Sudoeste do Paraná recebeu muitos migrantes, vindos de diferentes regiões do Brasil, principalmente da região sul.

A professora Alba e sua família também chegaram de mudança em Marrecas no ano de 1941, ansiados pelos ideais de prosperidade e qualidade de vida. Compraram a posse de terra de moradores da região, na localidade denominada Barra do Tunas.

Em 1945, com 16 anos passou a ensinar a ler, escrever e contar as crianças filhas dos migrantes assentados na comunidade de Barra do Tunas. Os ensinamentos eram ministrados no galpão de trabalho do seu pai.

Voz da docência
A professora Alba Paz da Silva nasceu em 1929, em Palmas – Paraná e por lá viveu até a década de 1940. Por meio de relato oral, retratou sua experiência enquanto formação primária, professora de classe multisseriada, os desafios da educação naquele período e a organização da escola. A professora relembrou os tempos difíceis no que se refere ao acesso da mulher à escola, o preconceito social em relação ao ensino e a ênfase na formação do sexo masculino. Problemas estes que não intimaram a família de Alba, principalmente ao seu pai que não hesitou em procurar um professor para atender ela e seus irmãos.

“[...] época de muitas dificuldades para o estudo, mais ainda para mulheres. Meu pai camponês, cheio de esperança e aventura, encontrou um casal, o velho já com 60 anos, tinha sido professor [...] colocou em seu galpão para lecionar seus filhos, que eram três em ponto de aula. Em três anos, o professor ensinou 18 alunos [...] no final fomos ao colégio fazer uma prova da 4ª série, este era nosso diploma [...]” (SILVA, 2014).

Na metade da década de 1940 o pai de Alba ficou sabendo de terras no Sudoeste do Paraná e que indicavam melhores condições de vida para a família. Juntou alguns pertences, a família e se direcionou ao interior do Sudoeste do Paraná, chegando à Marrecas e se assentando em Tunas juntamente com outras famílias vindas de diferentes regiões do sul do Brasil.

As famílias eram grandes e dotadas de muitos filhos em idade escolar. No ano de 1945, com 16 anos de idade, começou a lecionar. Como era uma das únicas que tinha formação primária na comunidade, as demais famílias se organizaram para que ela ensinasse aos seus filhos “[...] eu tinha alunos com 7 (sete) aninhos e outros de até 16 (dezesseis) anos. Os pais queriam que eles aprendessem pelo menos assinar o nome” (SILVA, 2013). Desta forma, organizaram a classe e a sala de aula foi improvisada no galpão de trabalho do seu pai.

“[...] um levava uma tábua para fazer o banco... O quadro negro foi feito... Tinha muito pinheiro, o meu pai serrou no meio com aquele serrote de dois cabos. Pegamos a madeira e pintamos com aquela tinta de pintar calçados “danúbio” (preta)” (SILVA, 2013).
O galpão era de chão batido e ali foram organizados os bancos escolares em meio as ferramentas e utensílios que seu pai guardava. Ainda relembrou que “[...] quando tinha sol eu dava aula lá fora. Quando chovia íamos para dentro do galpão maior” (SILVA, 2013).
A comunidade ajudava a professora, retribuindo/pagando de certa forma seu trabalho com as crianças, “[...] a comunidade me pagava: com peixes, porco, batata doce, mandioca [...]” (SILVA, 2013).

Para explicar os conteúdos, a professora Alba mencionou que, quanto:

“[...] as explicações, fizemos um livro de ABC, depois eu ia juntando as letrinhas para formar as palavrinhas. Fizemos um livro das vogais e as juntava (A + E) juntando (AE) [...] Ninguém me ajudava, eu ensinava o que tinha aprendido. Depois a piazada era inteligente foram aprendendo e depois me ajudando” (SILVA, 2013).

Conforme relatos da professora, esta leciono no interior do município, em classe multisseriada organizada por ela, entre 1945 e 1949. Muitos migrantes chegavam e se instalavam todos os dias na comunidade, e assim sua turma de crianças para a alfabetização só aumentava.

“[...] a primeira turma que chegou foram os de Santa Catarina – os barriga verde – o trator ia na frente até no Rio Pinheiro – o tratorista era o Antônio Cantelmo. O trator abriu até a porta da casa do meu pai. Aí foram ver o que tinha naquele galpão lá, táva eu lá com a piazadinha. Mas o que tem aí? Disse o seu Jahir de Freitas. – É aula? – aqui é aula sim. Respondi. – Mas como pode isso? Meu pai e mais uns 2 (dois) começaram a chegar (...)” (SILVA, 2013). 

Conforme retratou a professora Alba, após este encontro Jahir de Freitas propôs que se construísse uma escola e fosse mantida pela CANGO. Para isso, a professora precisou listar quantos alunos estavam frequentando sua aula, para que a CANGO a nomeasse e passasse a ajudar na educação.  Então, a professora fez o levantamento das crianças que já estavam frequentando colocando tudo em uma lista. O documento a seguir apresenta a lista feita pela professora em 1949, que, acompanhado do pai responsável, o número de crianças em idade escolar da comunidade de Barra do Tunas, para turmas de 1ª a 4ª séries, um total de 42 (quarenta e duas) crianças.  A partir deste ato, a CANGO assumiu o compromisso em construir uma casa escolar, contratar a professora e disponibilizar as orientações didático-pedagógicas.

O Documento, ainda, apresenta a assinatura de duas pessoas. Questionada sobre a observação, a professora Alba relembrou que seu pai precisou assinar juntamente com seu nome, na parte inferior da lista, para que ela de fato assumisse como professora, pois na época era menor de idade, tinha 20 anos. De acordo com a Lei nº 3071 de 01 de janeiro de 1916, Art. 9º “Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil” (BRASIL, Lei nº 3071, 1916). A mudança da maioridade para 18 anos aconteceu somente em 2003, com a Lei nº 10.406, art. 5º “a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (BRASIL, Lei nº 10.406, 2003).

Figura 1: Lista de famílias e a quantidade de alunos em idade escolar – Feita pela Professora Alba – 1949
Fonte: Acervo Histórico de Francisco Beltrão.

A professora Alba Paz da Silva é considerada a primeira professora a lecionar em Vila Marrecas, esta não era professora contratada pelo poder público, a comunidade se reuniu e a designou para instruir seus filhos em 1945. A seguir a fotografia apresenta a professora, que apesar de aposentada ainda tem esperanças para a educação.

Figura 2: Professora Alba Paz da Silva
Fonte: Carla Cattelan, 2013.

Nas palavras do ex. prefeito de Francisco Beltrão, ano de 1953, Rubens da Silva Martins:

“O povo de Francisco Beltrão contraiu com os primeiros professores que lecionaram em seu território, uma divida de gratidão e reconhecimento pelo muito que fizeram, nas condições mais adversas, em prol da alfabetização de seus filhos” (MARTINS, 1986, p.196).

A importância da memória docente reflete aspectos específicos do período, até então não compreendidos de forma isolada, ou que não são apresentados em documentos ou outras fontes primárias e que revelam o singular, o especifico o compreendido com outros olhos e que influenciaram significativamente em sua formação e no modo de ensinar.

Conclusão
A memória docente nos traz possibilidades metodológicas de aproximação de uma real historiografia. Também nos permitem avaliar concepções que se atrelam a fatores políticos, econômicos, sociais, educacionais, religiosos e culturais.

A professora Alba em suas memórias discorre sobre sua experiência educativa primeiramente não formal, refletida pela tradição pedagógica reproduzida, e posteriormente com a instalação da CANGO a experiência formal ganha suporte didático pedagógico e institucionalizado. Estes processos históricos educacionais refletem a historiografia educacional e institucional da educação rural em Vila Marrecas e Francisco Beltrão e também revelam características históricas presentes na educação atual.

Referências
Carla Cattelan é doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Francisco Beltrão - UNIOESTE. Professora colaboradora no Colegiado de Pedagogia da mesma instituição. Membro do grupo de pesquisa HISTEDOPR e GEPHIESC. E-mail: carla.ccattelan@gmail.com

CATTELAN, Carla. Educação rural no município de Francisco Beltrão entre 1948 a 1981: a escola multisseriadas. Francisco Beltrão-PR: Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 2014. (Dissertação de Mestrado em Educação).
MARTINS, Rubens S. Entre Jagunços e Posseiros. 1ª ed. Curitiba: 1986.

SILVA, Alba da Paz. Francisco Beltrão, entrevista concedida no dia: 03 de dezembro de 2013 à Carla Cattelan.

SILVA, Alba da Paz. Francisco Beltrão, manuscritos do dia: 18 de janeiro de 2014.

Um comentário:

  1. Olá Carla, tudo bem?
    Primeiramente parabéns pelo conteúdo e a qualidade do artigo, assim como, lhe desejo uma ótima dissertação de mestrado.
    Estou imensamente tocada pelo modo com que conduziu a apresentação, não apenas informando sobre as lembranças docentes, mas os contextos que a acercam na questão cultural, política e de gênero. Isto faz pensar que é um campo na área da educação que deveríamos explorar mais: a lembrança docente.
    Gostaria de fazer duas perguntas:Por que você se interessou pela figura da Professora Alba Paz e encontrou dificuldade em achar os documentos?

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